A ética e moral na pós-modernidade
Resumo: O artigo aborda a função da
ética na sociedade contemporânea e, ainda, questiona se é possível existir
moralidade sem ética.
Infelizmente as promessas da
modernidade[1]
fracassaram ou simplesmente exauriram-se. O refugo humano se alastra
vertiginosamente no planeta e, não há como apenas ignorar e seguir o roteiro da
individualidade. Há outras possibilidades de convivência e, que não estão
impressas em códigos ou mandamentos afinal, não há um rol enumerativo e seguro
a elencar os deveres.
Com o Iluminismo esperava-se que
prevalecesse a tolerância, o humanismo e o respeito à natureza e, se afirmaria
o direito à liberdade e à igualdade entre os homens. Acreditava-se piamente no
progresso contínuo em benefício da humanidade graças ao desenvolvimento da
ciência e da tecnologia.
O Iluminismo correspondeu a uma
ideologia que fora desenvolvida e incorporada pela burguesia na Europa a partir
de lutas revolucionárias deflagradas no final do século XVIII, cujos temas
gravitaram em torno da liberdade, progresso e humanidade.
Visava corrigir as desigualdades da
sociedade humana e garantir os direitos considerados naturais do indivíduo,
como as liberdades e a livre posse de bens.
As teses políticas do Iluminismo
fracassaram desde a Revolução Inglesa de 1640, a Revolução norte-americana
(1776) e a Revolução Francesa (1789) o que abriu caminho para a ideologia marxista
em todo o mundo que se propunha a dar fim a exploração do homem pelo homem, com
a redução de desigualdades econômicas entre as classes sociais e, no futuro,
conseguir sua completa abolição.
Enfim, fracassaram porque não
cumpriram suas promessas históricas de se conquistar a felicidade humana.
Fracassaram os ideais iluministas mas também fracassaram os ideais marxistas.
A modernidade, por sua vez, nasceu
com a Revolução Industrial significando um grande esforço intelectual dos
iluministas para desenvolver a ciência e a razão e, descobrir as leis
universais para serem postas a serviço da humanidade.
Com a Revolução Industrial a ciência
e a tecnologia adquiriram relevância fundamental para o progresso humano
mediante as sucessivas e contínuas inovações tecnológicas.
A modernidade geralmente associada à
Segunda Revolução Industrial ocorrida na segunda metade do século XIX e,
representou o conjunto de transformações socioeconômicas iniciadas por 1870 com
a industrialização da França, da Alemanha, da Itália, dos EUA e do Japão,
caracterizadas especialmente pelo desenvolvimento de novas fontes de energia
(como a eletricidade e petróleo), pela substituição do ferro pelo aço, pelo
surgimento de novas máquinas e ferramentas além de novos produtos químicos
(como o plástico).
Por sua vez, a pós-modernidade está
relacionada mais propriamente com a Terceira Revolução Industrial que
corresponde ao conjunto de transformações socioeconômicas iniciadas a partir da
segunda metade do século XX, com surgimento de complexos industriais e empresas
multinacionais, o desenvolvimento de indústrias química e eletrônica e os avanços
da automação, da informação, da engenharia genética e, respectiva incorporação
ao processo produtivo que passou a depender cada vez mais de alta tecnologia e
de mão de obra cada vez mais especializada.
A razão preconizada pelo Iluminismo
fora então substituída pela razão do capitalismo de mercado que ao exercer seu
controle sobre as forças da natureza, estendeu sua dominação também sobre os
seres humanos. O capitalismo de mercado tornou-se a referência privilegiada
dessa modalidade de controle sobre a natureza e sobre os seres humanos.
Enfim, a complexidade e a diversidade
das relações humanas não podem ser contidas em regras. As regras e os comandos
normativos não conseguem mais abarcar toda filosofia moderna do dever-ser[2].
O aparente vazio de valores que é nítido,
particularmente, na passagem da modernidade para a pós-modernidade e, que se
apresenta por causa do adiamento contínuo das consequências produzidas pelas
ações de todos para com todos.
Adia-se continuamente o futuro,
postergando-se seus efeitos, tornando-se cada vez mais árdua a tarefa de
compreender o ser humano em sua profunda complexidade cotidiana. As promessas
da Idade Moderna se eternizaram, vivemos delegando as responsabilidades de
nossas escolhas morais para experts[3]
da ética, a fim de que sejam determinados para cada homem e mulher, quais são
os fenômenos bons e maus, bem como prover a avaliação estratégica de como
realizar a escolha correta e adequada.
Não há garantia de se manter uma convivência infalível.
Zygmunt Bauman esclareceu sobre as
distinções entre a “Era da Ética” típica da modernidade e, a “Era da Moral”,
peculiar da pós-modernidade. Há de se
entender mais sobre outras perspectivas de convivência humana que não são tão
novas e nem inéditas, mas, precisa-se do caráter pedagógico para rememorar
àqueles que não sabem se, diante do abismo, atira-se para um caminho sem volta
ou, ao observar sua profundidade procura refletir sobre o significado de
“ser-junto-com-o-outro” e, finalmente, descobrir sua humanidade.
A ética e a moral da pós-modernidade
desvela-se na responsabilidade moral incondicional na qual cada pessoa exerce
por meio de suas atitudes o “estar junto com o outro” na vida cotidiana.
A ética está para a filosofia enquanto
que moral está para religiosidade. Mesmo a ética menor também chamada de
etiqueta[4],
existe para prover a melhor convivência de diferentes pessoas que habitam o
mesmo contexto.
A Ética na dicção de Bauman não
consegue tornar efetivo o seu projeto racional de tudo prever e tudo prescrever.
A expertise da ética em sua função,
foi o transformar o pecado (da Idade Medieval) na culpa esculpida pela razão
lógica e, procurar expiá-la. Assim, a promessa de vida livre do pecado
(doravante renomeada de culpa) traduziu-se apenas num projeto de refazer o
mundo à medida das necessidades e das capacidades humanas, de acordo com o modo
racional (Vide: Bauman, Z. A vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio
de Janeiro: Zahar, 2011).
Os mandamentos éticos conduzem a
autoridade necessária para impor o que deve ser feito, de modo igual e por
todos. A ética da modernidade é um projeto universalizável e, pode ser capaz de
enunciar quais as condutas são possíveis ou não, dentro de um grupo, a fim de
manter sua coesão e promover a convivência.
A Ética moderna é categoria que num
esforço procura antever e prescrever, com maior grau de certeza possível, a
ocorrência de certos fenômenos e procura diminuir ou até eliminar os conflitos,
buscando as alternativas de resolução e superação dessas dificuldades[5].
Procura-se atender ao adágio: “na
medida em que surge a dificuldade, ter-se-á apenas uma resposta para sua
solução”. Tal resposta precisa ser enunciada senão, imposta pela autoridade
ética e guiada pela razão lógica.
A ética proposta pela modernidade
elabora cada base a partir daquilo que as suas autoridades prescrevem como
verdades. O poder desses peritos funciona como o legislativo e o judiciário[6]
ao mesmo tempo.
As condutas humanas serão julgadas
aptas ou não, conforme a previsão da norma ética. Os especialistas são capazes
de tornar universais as condutas éticas porque dispõem de um conhecimento no
qual a pessoa comum não tem.
O homem da vida do cotidiano não tem
capacidade intelectual para orientar suas próprias ações. Enfim, não conhece o
bom para disseminar o bem. Tal depreciação dos deuses olímpicos sobre a
incapacidade das pessoas em escolherem o razoável para suas vidas tem
significado, qual seja, a de que os seus juízos éticos não sejam fundamentados,
em outras palavras, não sejam racionalmente demonstráveis, quantificáveis ou
mensuráveis.
A ausência da razão lógica a fim de
tornar tudo sólido, oficial e obrigatória uma conduta para todos, implica na
necessidade de pessoas especialistas para iluminar as mentes e direcioná-las a
algo de “bom”.
Por esse motivo, conclama-se aos
peritos: ”Salvem-nos da angústia e ambivalência de nossas decisões pessoais.
Apontem-nos o que é o “bom” a partir da tabula
rasa[7]
de nossas obrigações”. Desta forma, a
impotência ética dos leigos e a autoridade ética dos peritos explicam-se e
justificam-se mutuamente. E o postulado de uma ética devidamente fundamentada,
suporta-as.
O pretenso abandono sobre a escolha
de nossas decisões e o delegar dessa tarefa para as agências supraindividuais
aos gestos éticos, já produziu desastres históricos tais como a Segunda Guerra
Mundial.
Quando procedimentalizou-se
racionalmente a indiferença taxando como “normal” ou “racional”. Não havia
espaço para reflexão pessoal sobre o que se mostrava como razoável. Tal ação
pertencia apenas aos peritos. A eficiência, precisão das normas racionais e a
especificação de seus papéis, rememora Bauman, permitiu que a violência fosse
autorizada e as vítimas desumanizadas, especialmente por definições e doutrinas
ideológicas. Eis a negação de autoridade à consciência moral. Lembremos o
comportamento Ohlendorf[8]
na descrição de Bauman:
Quando instado a explicar, no
julgamento de Nuremberg[9],
por que não renunciou ao comando cujas ações, ele pessoalmente desaprovava. Ohlendorf
invocou precisamente este senso de responsabilidade, pois se expusesse as ações
de sua unidade para se ver livre de obrigações que, garantiu, o indignavam,
estaria deixando seus homens fossem erroneamente acusados.
“Obviamente, Ohlendorf esperava que a
mesma responsabilidade paternalística em relação aos seus homens, seria
praticada por seus superiores para com ele, e, isso o eximia da preocupação com
a avaliação moral de suas ações, que poderia com segurança deixar a cargo dos
que comandavam”.
Eis o paradoxo ressaltado por Bauman,
não existe necessidade de orientar o nosso modo de agir conforme padrões
determinados. Afinal, os códigos de ética nem sempre são lembrados porque a
maioria se comporta e decide seguindo o hábito e a rotina, desde que nenhuma
pessoa dificulte ou impeça de se fazer o usual.
Os especialistas em ética trazem
sempre argumentos coerentes e fundamentados racionalmente, além de garantias
infalíveis a fim de preservarem seu status
dentro da dinâmica social.
Mas ainda se questiona: Tais peritos
realmente entendem de modo adequado à ética? E, se a ausência dos experts, se traduzisse na incapacidade
nossa em descobrir como devemos nos comportar perante o Outro? E, quando
finalmente nos definirmos como pessoas verdadeiramente morais e decentes. (In: BAUMAN, Z., A vida em fragmentos:
sobre a ética pós-moderna[10]).
A resposta ao questionamento de
Bauman quando não observada pela nossa responsabilidade, pode seguir a própria
sugestão do filósofo. De que cedo ou tarde começaremos a procurar intensamente
em nossa vontade, uma orientação confiável de “pessoas do saber”. Se deixarmos
de confiar em nosso julgamento, iremos se tornar sensíveis ao medo de estarmos
errados.
Receamos o pecado, a culpa ou
vergonha, mas sentimos a necessidade da mão útil do perito para nos trazer o
conforto da segurança. Trata-se de um medo que amplia a dependência de
especialização. A necessidade de uma especialização ética, torna-se
autoevidente e, sobretudo autorreproduzida. (In: BAUMAN, Z., Modernidade e Holocausto).
O fato de ser autorreproduzida revela
uma preocupação aguda. Quando se delega a decisão de nossas escolhas ao um
perito em ética, por não se saber lidar com a ambivalência, incerteza ou
dúvida, desse tipo de ação, da autoridade na qual está mais capacitada a
decidir o destino do homem comum.
Para Zygmunt Bauman, a ética
pós-moderna é aquela que abandonou a ilusão da universalidade para leis morais
e, assume que é a competência moral de seus membros que torna possível a
existência contínua e o bem- estar da sociedade.
Segundo Bauman, os sujeitos capazes
de decisões próprias sem serem coagidos por um sistema de normas[11]
elaboradas por legisladores que contam com a força para fazê-las cumprir, são
sujeitos que desenvolvem o senso de responsabilidade necessário para lidar com
situações que exigem consenso.
Eis o início da erosão nas relações
humanas e a produção em massa da indiferença na qual se instaura o chamado
cenário “normal” da vida cotidiana. Afinal, a Ética da Idade Moderna trouxe
novos modos de criar a ordem e segurança, diante de um passado expectante.
Identifica-se a ansiedade de se libertar dos grilhões impostos pelo Deus ditado
pelo cristianismo, a partir da razão e, que trazia a garantia sólida de um
futuro promissor.
A nova arquitetura ética prescreve
novos modelos de atuação onde o dever-ser se torna mais autoevidente, mas sem
as bases que possam ser demonstráveis, calculáveis e previstas. Enfim, a Ética
seria tão-somente mais uma opinião pessoal na qual sua autoridade seria
destronada pela objetividade e universalidade.
Surge ainda outro questionamento até
mais incômodo: É possível que a ética seja sempre fundamentada na razão?[12]
Em caso positivo e sob semelhante argumento, a moral poderia ser explicada a
partir desses critérios capazes de controlar, ou ao menos, conter o mal e
disseminar o bem[13]?
Examinando o núcleo dos fenômenos
éticos, a moral se revela ser o mais caótico meio. Metaforicamente não seria
mais aquela luz branca irradiada pela beleza de sua estrutura lógica. Vivemos
numa cegueira moral.
Quando utilizamos o conceito de
insensibilidade moral para denotar algum tipo de comportamento empedernido,
desumano e implacável, ou apenas, uma postura imperturbável e indiferente,
assumida e manifestada em relação aos problemas e atribulações de outras
pessoas, sendo o tipo de postura que se exemplifica no gesto de Pôncio Pilatos,
ao lavar as mãos diante do destino de Cristo.
Aliás, cogitamos em insensibilidade
como metáfora, sua localização básica fica na esfera dos fenômenos anatômicos e
fisiológicos dos quais é extraída seu significado fundamental que é a disfunção
de alguns órgãos dos sentidos, seja ela ótica, auditiva, olfativa ou táctil,
resultando na incapacidade de perceber estímulos que em condições normais
evocariam imagens, sons ou outras impressões (...).
A não percepção dos primeiros sinais
de que algo pode dar ou já está dando errado com nossa capacidade de conviver e,
com a convivência com a comunidade humana, e que, se nada for feito, as coisas
poderão piorar, significa que o perigo saiu de nossa vista e, tem sido
subestimado por tempo suficiente para desabilitar as interações humanas como fatores
potenciais de autodefesa comunal – tornando-as superficiais, frágeis e díspares”.
(...).
Com a dor moral sufocada antes de se
tornar insuportável e preocupante, a rede de vínculos humanos composta de fios
morais se torna cada vez mais débil e frágil, vindo mesmo a se esgarçar. Com
cidadãos treinados a buscar a salvação de seus contratempos e a solução de seus
problemas nos mercados de consumo, a política pode (ou é estimulada),
pressionada e, em última instância, coagida a interpelar seus súditos como
cidadãos, e a redefinir em primeiro lugar, o ardor consumista como virtude
cívica e, a atividade de consumo como a realização da principal tarefa de um
cidadão”.
A principal condição ética da
modernidade era o fato de que tudo se explicava, tudo era previsto, antevisto e
controlado. Tal modo promoveu a homogeneização de condutas humanas que se
tornam universais e descontextualizadas do tempo, espaço e cultura. Tal ética
se destina a salvar a todos de seus medos e angústias e, também criar novos
medos[14],
os quais todos se tornam seus reféns.
A fundamentação racional da ética
representa um terreno ambivalente posto que tenha base caótica, não sendo
explicada ou contida. E ser caótico, é estar desprovido de estrutura. Pensando
a estrutura como uma distribuição assimétrica de probabilidades, uma não-aleatoriedade
dos eventos...
“O caos é o que há de mais aterrador
para as promessas acenadas pela rotina do estabelecido. A sociedade é uma fuga
do medo, mas também é solo fértil desse medo e, dele se alimenta é dele a garra
com que ela nós detém e extrai sua força”. (...). (In: BAUMAN, Z., A vida em fragmentos sobre a ética pós-moderna).
Conforme Bauman nos instigou, há uma
outra indagação é feita: Por que devo ser moral? E daí, surgiram outras
questões: O que me torna responsável pelo Outro? Esses questionamentos são cada
vez mais atormentantes por conta da liquefação da ética e a liquefação do
mundo.
Os líquidos, diferentemente dos
sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não
fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais
claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo
(resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se
atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a
mudá-la; assim, para ele, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes
toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas “por um momento”.
Em certo sentido, os sólidos suprimem
o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa.
Ao descrever os sólidos, podemos
ignorar inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora
seria um grave erro.
Descrições de líquidos são fatos
instantâneas, que precisam ser datadas. (In:
Bauman, Z., Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001).
A liquefação[15]
da modernidade transforma-se no período histórico também chamado de
pós-modernidade. A modernidade demonstrava as promessas estáveis, sólidas e que
se tornaram líquidas. Havia um projeto de vida elaborado pela razão
instrumental que aos poucos foi se saturando e, passa a demandar por outras
viabilidades de conveniência.
Horkheimer[16]
rememora os efeitos produzidos pela expressão “lógica instrumental”. Pois a
redução da razão a um mero instrumento afeta finalmente até mesmo seu caráter
como instrumento. O espírito antifilosófico que é inseparável do conceito
subjetivo da razão e que na Europa culminou a perseguição totalitária nos
intelectuais fossem ou não seus precursores, é sintomático da degradação da
razão.
Os críticos tradicionais e conservadores cometem um erro fundamental quando atacam a civilização moderna, sem atacarem ao mesmo tempo o embrutecimento que é apenas um outro aspecto do mesmo processo.
O intelecto humano[17] que tem origens biológicas e sociais, não é uma entidade absoluta, isolada e independente. Foi declarado ser assim apenas como resultado da divisão social do trabalho a fim de justificar esta última na base da constituição natural do homem (In: Horkheimer[18], Max. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2000).
Bauman com acerto chamou a Ética na
Pós-Modernidade como a “Era da Moral”. O referido fundamento nuclear dos
fenômenos éticos não consegue ser exaurido dentro de normas precisas
calculáveis. A moral, para Bauman, não pode ser demonstrada tampouco
logicamente deduzida. Moral é categoria contingente, ambivalente e incontível.
É a única autoridade capaz de
orientar os seres humanos para compreensão de si, pois flui na incerteza do
desejo. Bauman advertiu conforme in
litteris:
“Se não houver essa força e essa autoridade,
os seres humanos estarão abandonados ao seu próprio juízo e à sua própria
vontade. E, estes, como os filósofos argumentam e os pregadores tentam fazer
com que as pessoas entendam, e podem dar à luz apenas o pecado e o mal; como os
teólogos nos explicaram de forma convincente, não se pode confiar neles para
produzir com comportamento correto ou fazer passar um julgamento correto. Não
pode haver algo como uma “moral eticamente infundada”, e uma moralidade
autofundada é, gritante e deploravelmente, algo infundado do ponto de vista
ético. De uma coisa podemos ter certeza: não importa quanta moralidade haja ou
possa haver numa sociedade que tenha reconhecido estar sem chão, sem propósito
e diante do abismo atravessado apenas por uma frágil prancha feita por
convenções, ela pode apenas ser uma moral eticamente infundada. Como tal, é e
continuará a ser incontrolável, imprevisível. Ela se constrói da mesma maneira
pode se demonstrar e se reconstruir de outra forma no curso da sociabilidade
(...).”.
Eis um novo confronto moral versus sociabilidade[19].
A moral pode ser observada a partir de dois critérios, a saber: 1. A sua
ambivalência; 2. Sua responsabilidade e
proximidade. Assim, a referida categoria
torna-se o fundamento não-fundado na qual se constata a ausência de qualquer
argumento primordial anterior à Moral.
Questiona-se que antes da moral[20]
aparece “o Ser” sob o ângulo da Ontologia, porém, não é possível reduzir a
existência alheia ao self moral pela descrição indiferente e vazia do Ser.
“Numa moralidade[21]
que vem antes de o ser existir, não há nada para justificar minha
responsabilidade, e ainda, menos para determinar que eu seja responsável e, que
a responsabilidade é minha; a determinação e justificação são traços do ser, do
ser ontológico, o único ser que há, afinal. E o leitor razoável estará certo ao
apontar que “antes do ser” não existe nada e mesmo se existisse, não saberíamos
nada sobre ele de alguma forma – não da forma – como sabemos sobre fatos (...)
não existe nenhum outro lugar para a moralidade senão antes do ser (...)”. (In: BAUMAN, Zygmunt. Ética Pós-Moderna).
No momento em que o Outro surge
diante do Eu, não existem os fundamentos ou justificativas razoáveis que
expliquem minha obrigação de cuidado com Outrem.
É na relação com o desconhecido, no
“ser-junto-com Outro” no qual se desvela minha humanidade. O caminho da
ambivalência desenha a cartografia de minha responsabilidade e não exaure numa
lista finita de obrigações.
A ambivalência retrata o caráter o
fragmentário da vida. É a incerteza produzida pelas nossas percepções sobre o
que é – ou venha a ser – razoável e irrazoável. Essas consequências
não-antecipadas mostram a necessária ponderação na qual precisa ser realizada a
fim de compreender o trânsito entre os aspectos dicotômicos da vida.
A ambivalência[22]
denota a ausência de uma resposta pronta, infalível para que as nossas
angústias e tormentos sejam eliminados e se retome ao afago e segurança dos enunciados
éticos propostos pelos códigos ou seus especialistas.
O caminho a ser percorrido para se desenhar
a Moral é tortuoso[23],
não existem atalhos os quais possibilitem um rápido percurso. Fechar os olhos e
se tornar indiferente diante da vida também não é uma opção adequada.
A “Era da Moral” no pensamento de
Zygmunt Bauman, não pode ser descrita pelo modelo Marilyn Monroe (no qual o
desapego às consequências de nossas ações perpetua um futuro dionisíaco,
descompromissado e irresponsável). Refletindo sobre a imagem de Peter Parker[24]
– o Homem Aranha, onde se identificam a maturação, motivação, angústia e a
dificuldade de se tornar uma pessoa moral a cada escolha feita. Esse é o início
da caminhada perene e dúbia de se tornar responsável.
O segundo aspecto sobre a moral
conforme os argumentos da Bauman é a responsabilidade. A referida categoria
antes citada, revela a necessidade de se repersonalizar a Moral e tirá-la da
couraça rígida posta pelos códigos de ética, isto é, trazê-la ao início do
caminho ético e não promover apenas a sua finalidade o que a faz ganhar nítidos
contornos utilitaristas.
Não existe responsabilidade sem
alteridade. “É na relação coma incerteza chamada ouro no qual se tece a
compreensão sobre “Ser Moral” [25].
O silêncio do Outro é insuportável. Será necessário provocar sua pre-sença a fim de sua voz tornar-se
audível, mas nem sempre esse fenômeno é possível.
O Outro pode optar por não se
manifestar e, nesse não-fazer, precisa-se encontrar o sentido infinito no qual
destrona o “Império do Eu”. O outro é horizonte moral no qual se persegue, mas
que, a cada passo, se afasta. Essa é o fundamento do “Eu Moral” (...) um eu
sempre perseguido pela suspeição de que ele não é suficientemente moral.
Fora do contexto social, não há moral. O sedimento da responsabilidade pela alteridade surge com a proximidade. Bauman elucidou com clareza solar, in litteris:
“(...) A proximidade está satisfeita
com o ser que ela é – proximidade. E está disposta a permanecer como tal:
estado de permanente atenção[26],
venha o que vier. Responsabilidade nunca completa, nunca exaurida, nunca
passada. Esperar pelo Outro para que exerça o seu direito de comandar, direito
que nenhum comando já dado e obedecido pode diminuir”. (In: Bauman, Z., Ética Pós-Moderna).
A proximidade revela minha
responsabilidade incondicional através de estar “junto com o outro”. Há de se
esperar o desvelar do outro até que sua voz seja audível e que sua mensagem
seja compreensível. Mas essa espera há de ser mediada conforme os parâmetros
humanos.
Eis a aporia[27]
da proximidade: o outro se aproxima e se distancia, ao mesmo tempo. A moral na
perspectiva da responsabilidade e proximidade, produz intensas antíteses, tais
como o amor e ódio, cuidado e indiferença, entre outras.
Essa é ambivalência, o conflito
humano e original e que se tenta, todos os dias, delegá-la ou eliminá-la para
que os especialistas em Ética digam a todos o que é bom, o que é mau.
Conforme enunciou Bauman, “Ser Moral”
é legitimar novamente as emoções, a responsabilidade e saber transitar com
certa serenidade, no pantanoso caminho de escolhas as quais revelam, com maior
ou menor grau – o nosso ir e vir entre a pluralidade de infinitos as quais se
manifestam nas relações humanas momentâneas e finitas.
Enfim, trata-se de uma mistura
paradoxal, entre a apreensão e esperança. “Ser moral” não significa ser bom ou
mau, mas lidar com as consequências produzidas pelas nossas ações diante de “junto
com o outro”.
“Ser moral” significa tender a fazer
certas escolhas sob condições de aguda e dolorosa incerteza. Eis o desafio da
Pós-modernidade, na qual precisa ser insistente: fundar uma condição moral de
vida na qual cada pessoa se torna, de modo incondicional, responsável pelo
Outro[28].
Trata-se de uma moralidade sem a
presença de códigos de ética. A presença do Outro
impõe à vontade do Eu ilimitado. Jamais cessa o caminhar[29]
do ser humano para se tornar mais moral. A condição de contínuo aperfeiçoamento
moral é perene e possui duas faces: guarda em si a salvação ou maldição de
todos.
Ainda questionou Bauman: Qual dessas imagens
se tornará a mais duradoura? A resposta depende de nossas escolhas morais de
todos com todos.
Mas por que devo ser moral? A
resposta é complexa. A Moral não se justifica, mas existe no momento em que há
a pessoa.
Na relação com o Outro, desvenda-se
minha responsabilidade incondicional. Descobre-se o íntimo significado de
humanidade. Esse é o fundamento que precisa aparecer desde o início de uma
elaboração ética que não se exaure em mandamentos, mas se desenvolve nas
incertezas morais consolidadas pela responsabilidade e proximidade entre cada
horizonte infinito manifestado no terreno da existência.
O cenário contemporâneo mundial
revela descrença frente ao ser humano. Não existem mais esperanças capazes de
animar as utopias do devir. A escolha de minhas decisões é incerta e não pode
ser controlada.
Questiona-se: será mesmo possível
determinar, com precisão, o que é bom e o mau? Toda escolha no qual se direciona para o bom,
trará bons resultados? Ser moral
significa ser bom[30]? Como é possível “Ser Moral”? Como se
diferencia a Ética da Moral[31]?
E, as perguntas não cessam e, segundo
o cenário contemporâneo, precisar-se-ia de especialista nessa vertente do
conhecimento humano[32].
A modernidade inaugurou a “Era da
Ética”. A pluralidade de condutas, a mescla de interesses, a ambivalência da
vida de todos os dias, essas características não fazem parte do projeto
civilizador desenhado pelo período histórico.
Precisa-se intensamente da História
para garantir a infalibilidade do futuro guiado pela razão. Imortaliza-se o
futuro como condição de se antever os efeitos benéficos criados pelo “mundo
racional” no momento presente. O controle do imprevisível e sua possível
erradicação é o triunfo da razão lógica.
A definição sobre o que seja bom, bem
como os seus contrários, não pode ser elaborada pela mistura de percepções do
homem comum. A trilha desenhada pelos seus interesses é confusa, ambígua e
incerta.
A ausência de um fundamento sólido,
estável e coerente no qual se justifique a demonstração da proposição é
descompassada com os ideais do citado período histórico. Somente a autoridade
do conhecimento pode liderar o homem comum para sua plena emancipação.
A universalização das condutas a
partir dos códigos de ética, torna-se imperativo a caracterizar uma civilização
como moderna. Com o passar do tempo, a matéria prima para a composição da
Ética, ou seja, conclui-se que a moral esmoreceu. A angustiante tarefa de
escolha moral não pertence mais ao sujeito, o poder decisório migrou do espaço
público para o espaço privado.
O que determina o que é bom ou mau
doravante é o mercado[33]
e, não mais, a consciência humana.
As escolhas morais denotam
responsabilidade. E essa possibilidade somente existe porque o Outro mostra,
pela sua fragilidade do Ser, os limites do Ego.
Frise-se que nenhuma ação moral existe fora do contexto social. Por esse motivo, qualquer atitude é uma escolha moral. Envolve um juízo de preferência na qual precisa fundamentado pela razão lógica.
Essa é a legitimidade das emoções –
um sentir algo com o Outro -, um “ser para” na qual justifica a
responsabilidade moral por meio da alteridade e proximidade.
A “Era da Moral” é uma aporia. Não há respostas simples e prontas tampouco garantias infalíveis para seu aperfeiçoamento. Somente quando se compreender a natureza ambivalente, dúbia e incerta da moral, a Ética deixará de exigir a homogeneização das condutas como meio de se garantir a ordem e segurança de todos. Há, pois, uma angústia e um alívio na qual dignifica o “ser moral”.
Ética e Moral crescem no mesmo solo
fértil no qual o húmus é a responsabilidade que se inova e reinventa na relação
infinita do Eu e Tu. Esse é o horizonte utópico da Pós-modernidade na qual se
sabe, com maturidade lidar com a responsabilidade incondicional de todos com
todos[34].
Ao analisar detidamente a crise
contemporânea podemos perscrutar o passado, o que não significa uma homenagem
aos mortos, mas deve nos levar a venerar a história e justificar alguma
esperança no futuro, onde presenciamos a confluência das vertentes gregas e
judaico-cristãs que constituíram a identidade de nossa civilização e nos
capacita a vencer a inércia da modernidade que aprisionou o pensamento na
estéril abstração.
Referências:
AQUINO, Sérgio. O desafio da Ética para os Profissionais do Direito na Pós-Modernidade.
Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/26/o-desafio-da-etica-para-os-profissionais-do-direito-na-pos-modernidade/
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Acesso em 06.02.2017.
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em 06.02.2017.
SILVA, Paulo Fernando da. Conceito de ética na contemporaneidade
segundo Bauman. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013.
Observação: Gostaria de agradecer
publicamente aos professores, amigos e colegas a quem tanto estimo e considero
e, que por razões alheias a minha vontade, irei deixar de conviver mais amiúde:
Edivaldo Alvarenga Pereira, Eduardo Frias, Alexandre Camargo, Amanda
Montenegro, Raimunda Prazeres, Maria Regina Martins, Maria Helena Plácido,
Cristina Lobato, Elizabeth
Reznik, Jane Santos, Maria Carlota Carvalho, Patrícia Leite Carvão, Tereza
Bittencourt, Vanda Almeida, Wania Ayres, Marco Antônio Valério e Keila Soares.
As professoras Márcia Calainho, Márcia Rosa, Juan Carlos Vezulla, João Delfim
Nadaes, Flávio Citro, Cesar Cury e Luciana Moessa. Um abraço especial para a Coordenadora Ana
Paula Del Pretti.
Peço desculpas se não consegui
lembrar de todos com quem passei bons momentos de aprendizagem. Sinceramente
espero que não percamos o contato.
[1]
A “modernidade sem ilusões” é expressão inspirada na obra de Bauman. Se o
reconhecimento da dimensão trágica da existência colocava o homem grego diante
do conflito proveniente do fato de ter que fazer escolhas entre o exercício da
liberdade na necessidade, ou da liberdade da contingência. Agora, no
pós-modernismo, há o reconhecimento da angústia trágica do homem contemporâneo
que oscila entre valores e situações opostas na busca uma felicidade
liquefeita.
[2]
O filósofo Aristóteles acreditava que a ética é caracterizada pela finalidade e
pelo objetivo a ser atingido, que seria viver bem, ter uma boa vida, juntamente
e para os outros. O significado de moralidade, que advém de moral que advém do
latim mos ou mores e significa costumes. Em um sentido mais simples, a noção de
moralidade pode estar associada às noções de justiça, ação e dever: a
moralidade não se relaciona àquilo que cada um quer para si e sim às formas de
agir com o outro.
Ainda que “moralidade” se refira a um código moral concreto
(“a moralidade de determinado país” ou “a moralidade de determinado período
histórico”, por exemplo, expressões pelas quais determinamos o que é moral ou
imoral) pode ser usado como sinônimo de “O moral”. Quando se entende assim,
significa que mesmo havendo códigos morais distintos entre si, há aspectos que
nos possibilitam identificá-los como sendo “morais”. Entre esses aspectos estão
a capacidade de se formar juízos morais: quando dizemos que alguém está agindo
de forma correta, estamos fazendo um juízo moral, independente do código moral
no qual nos baseamos.
Se em uma sociedade imaginária as mulheres fossem
ensinadas a rasparem os cabelos, seria um juízo moral dizer que uma mulher de
cabelos longos se comportaria de forma incorreta. O oposto também válido: em uma sociedade em
que as mulheres fossem recomendadas a nunca cortar os cabelos, ao dizer de uma
mulher com cabelos curtos se comporta de forma incorreta, fazemos um juízo
moral.
[3]
Educação torna-se constituinte irremovível do poder. Os detentores do poder
devem saber o que é o bem comum, qual conduta humana melhor se ajusta a ele e
como induzir os homens a atuarem de acordo com ele. O poder passa a necessitar
como nunca do saber; o saber emprestará legitimidade ao poder. Secularização
dos poderes pastoral e proselitista, amplamente praticados na era pré-moderna
pela Igreja. As suas técnicas, agora, estavam a serviço do Estado. "O
Estado entrou numa guerra contra todas as formas de vida que pudessem ser
vistas como bolsões potencias de resistência contra o seu domínio".
Há
um novo papel para os intelectuais no mundo pós-moderno e plural, é de ser
intérpretes, que se tornam protagonistas já que deles depende a comunicação
entre as tradições culturais diversas. E a promoção da arte da conversação
civilizada. Há, pois definitiva redescoberta hermenêutica.
[4]O
“Eu real” e o “eu virtual”. O meu eu real usa caneta e papel, enquanto que o eu
virtual usa notebook e redes sociais. O real é interessante enquanto que o
virtual é interessante à enésima potência. Agora algumas regras de etiqueta: o RSVP
que é o famoso répondez s’il vous plait,
significa responda por favor. Significa confirmar a presença num evento para o
qual fora convidado. Deve-se desligar o celular à mesa. Você não precisa ser
instantâneo e imediato. Ou seja, não é necessário responder imediatamente a
cada e-mail ou mensagem. Não use fones de ouvido quando estiver com outras
pessoas. Modere o uso de câmeras. Afinal, a vida não é um reality show. E sempre existe a privacidade de outrem a ser
respeitada.
[5]
O sujeito humano, singular e responsável, é também um sujeito ético, individual
e social. Somos sujeitos pessoais, únicos, irrepetíveis e responsáveis por
nossos atos; ao mesmo tempo, e no mesmo nível de profundida. O sujeito pessoal
comporta a dimensão social: somos ontológica e biologicamente sociáveis, seres
políticos, feitos para a convivência.
A
ética, portanto, é individual e social ao mesmo tempo. Ninguém é ético para si
mesmo. Somos éticos em relação aos outros e em relação à distribuição e posse
dos bens materiais.
Um
questionamento nos assombra: qual é o centro da ética? E, Aristóteles nos
informa que a justiça é a virtude central da ética, posto que comande os atos
de todas as virtudes.
Configura-se
um tripé inseparável ser humano, ética e justiça quando estamos analisando a
ética e as relações sociais.
[6]
A visão tipicamente moderna do mundo é a de uma totalidade essencialmente
ordenada, com a presença de padrão desigual de probabilidades que possibilita a
explicação dos fatos. Essa explicação é, ao mesmo tempo, uma ferramenta de
predição e de controle. Pressupõe um conhecimento adequado da ordem natural,
conhecimento que engloba a enunciação de critérios classificatórios
publicamente testáveis e demonstráveis. Há, pois a pretensão universalizante.
A
visão pós-moderna do mundo é a de um número ilimitado de modelos de ordem, cada
um gerado por autônomo conjunto de práticas. A ordem não serve como medida
externa de sua validade. Cada qual dos muitos modelos de ordem só faz sentido
em termos da prática que os validam. Assim os sistemas de conhecimento só podem
ser avaliados de dentro. Não se admitem testes de legitimidade. Há uma ótica
relativista, local. O relativismo é traço duradouro do mundo, e ocorre o
abandono das pretensões universalistas.
O
papel dos intelectuais na modernidade funciona como legislador, pois faz
afirmações autorizadas e autoritárias. Solucionam controvérsias. E possui
autoridade para arbitrar derivada do conhecimento objetivo superior.
O
papel do intelectual na pós-modernidade é de intérprete. De fazer tradução de
afirmações feitas no interior de uma tradição baseada em termos comuns, a fim
de que sejam entendidas por integrantes de outra tradição. Visa facilitar a
comunicação entre os participantes autônomos, impedindo distorções de
significados e, não mais selecionar a melhor ordem social. Não implica na
eliminação da estratégia moderna.
[7]
Tabula rasa é expressão latina que
significa literalmente tábua raspada e tem o sentido de folha de papel em
branco. A palavra tabula, refere-se
às tábuas cobertas com fina camada de cera, usada na Antiga Roma, para
escrever, fazendo-se incisões sobre a cera com uma espécie de estilete. Como
metáfora, o conceito de tabula rasa foi utilizado por Aristóteles em oposição a
Platão e difundido principalmente por Alexandre de Afrodísias, para indicar uma
condição em que a consciência é desprovida de qualquer conhecimento inato, tal
como uma folha em branco, a ser preenchida.
[8]
Otto Ohlendorf (1907-1951) foi oficial alemão que serviu na SS nazista com a
patente de Gruppenführer e também foi
chefe da Inland-SD (responsável pela inteligência e pela segurança interna),
uma subdivisão da Sicherheitsdienst
(SD). Ohlendorf foi comandante da Einsatzgruppe D, que perpetrou vários
assassinatos e outras atrocidades na Moldávia, no sul da Ucrânia, na Crimeia e,
durante 1942, no norte do Cáucaso russo. Por estas ações, Otto Ohlendorf foi
considerado uma das figuras mais proeminentes do Holocausto. Em 1951, ele foi
condenado e executado por crimes de guerra e contra a humanidade cometidos
durante a Segunda Guerra Mundial.
[9]
O julgamento de Nuremberg constituiu uma série de tribunais militares,
realizado pelos Aliados que venceram a Segunda Grande Guerra Mundial,
conhecidos pelos processos contra os proeminentes membros da liderança
política, militar e econômica da Alemanha Nazista. Os julgamentos ocorreram na
cidade de Nuremberg, na Alemanha, e ocorrera entre 20 de novembro de 1945 e 1º
de outubro de 1946. Oito juízes representaram os quatro países vencedores da
referida guerra e compuseram a corte. O presidente do tribunal era britânico,
mas coube aos norte-americanos o papel mais relevante na preparação do
processo. Os países neutros não tiveram nenhuma participação. Os juristas têm
suscitado a questão das violações de direitos fundamentais com a realização de
um tribunal ad hoc, um tribunal de exceção, sem a escolha de advogados pelos
réus.
Segundo alguns doutrinadores, seria um tribunal de exceção e não poderia
punir com a pena capital, mas somente com a prisão, entre outras formas de
responsabilização. Porém, em Nuremberg, foram os vencedores que ditaram todas
as regras e todo o funcionamento do tribunal, mesmo em detrimento do respeito
aos direitos fundamentais dos réus, bem como o princípio do juiz natural tão
conhecido pelos ingleses.
A
aplicação da justiça dos vencedores poderia igualmente explicar porque jamais
fora cogitada a possibilidade de punição ou mesmo julgamento dos responsáveis
pela morte de civis em decorrência de inúmeros bombardeios aliados contra as
cidades alemães como Dresden, Colônia, Darmstadt, Hamburgo, Stuttgart e
Konisberg entre outras ou mesmo pelo lançamento de bombas atômicas sobre
Hiroshima e Nagasaki.
[10]
A pós-modernidade surge historicamente quando se vivia os ideais modernos
trazidos para toda sociedade com base nas teorias iluministas, e calcados nas
experiências de um individualismo difundido pelo niilismo. A verdade é que a
pós-modernidade modifica principalmente a ótica moral sobre os valores e
sentimentos de dignidade e ética, e passa a vivenciar a preferência pela estética,
velocidade e pelo belo. Valora-se mais o mundo de fantasias e promessas de
melhoras e avanços tecnocráticos, assim, a ética se traduz na ilusão de viver
baseado no que é mais conveniente, e não, propriamente no que é correto.
A
pós-modernidade ou era pós-industrial teve como um dos pioneiros no emprego do
termo o francês François Lyotard que in
litteris: "A condição pós-modernidade caracteriza-se pelo fim da
metanarrativas. Os grandes esquemas explicativos teriam caído em descrédito e
não haveria mais garantias, posto que mesmo a ciência já não poderia ser
considerada como fonte da verdade".
Já
para marxista norte-americano Frederic Jameson, a pós-modernidade é a lógica
cultural do capitalismo tardio e que corresponde à terceira fase do
capitalismo.
Já
o filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman e um dos principais popularizadores do
termo pós-modernidade, prefere a expressão modernidade líquida, onde prevalece
uma realidade ambígua e multiforme.
Para
o filósofo Jürgen Habermas relaciona o conceito de pós-modernidade a tendências
políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais
iluministas.
[11]
No entanto, a carência de normas gerais explicitamente assumidas por todos
gerou insegurança e instabilidade na convivência entre sujeitos que deveriam
fazer parte do todo incipiente da nova ordem burguesa. A tal semente feita de
ausência gerou a crise ética que se estendeu ao longo de toda a era moderna.
Crise que se tentou superar com elaborações constantes de códigos éticos que
tinham em comum a pretensão de dar conta da totalidade da convivência humana.
Os sucessivos fracassos parecem ter acentuado
em vez de refreado a obsessão por leis uniabarcantes. Obsessão que os óculos da
modernidade faziam ser chamada de otimismo. Justo nome na visão de quem havia
experimentado diversos triunfos da razão por conta da evolução da ciência. O
sucesso, portanto, era uma questão de tempo, pois este sempre nos leva ao
aperfeiçoamento. Assim justificou-se a crença na possibilidade de um futuro
conjunto sistêmico de leis morais que visem ao bem de todos e de cada um.
[12]
É possível uma civilização sem ethos?.
Essa interrogação verdadeiramente dramática para o futuro humano de nossa
civilização não pode ser encarada como um mero artifício retórico e não é
difícil apreender o seu significado prático na atual discussão acerca dos
direitos humanos: devemos privilegiar como valor fundamental da existência
humana as condições concretas da felicidade como a segurança material (comer,
vestir, morar, etc.) ou os imperativos abstratos da liberdade como as
prerrogativas jurídicas da cidadania (direitos de expressão, locomoção,
organização, etc.)?
A
simples proclamação de um catálogo dos direitos humanos, conquista inegável da
sociedade moderna, não soluciona o impasse que contrapõe de um lado a garantia
formal de liberdade de uma humanidade mergulhada na miséria e agrilhoada aos
injustos mecanismos que reproduzem a desigualdade entre os povos e de outro o
projeto de uma efetiva justiça social que, sem as salvaguardas do direito
formal, se degenera numa concretude inumana.
[13]
Mas o que é o bem em si? Aristóteles tinha dito, a felicidade. Kant,
contrapondo-se a essa velha resposta, afirma que é a boa vontade. Para ele,
todas as capacidades humanas podem causar resultados daninhos, quando a pessoa
que os maneja não é boa. E o poder, a honra, a alegria e tudo o mais que
ligamos à palavra felicidade não geram ações boas, senão quando elas são
movidas por uma boa vontade. Assim, embora negue a palavra aristotélica, Kant
reforça a desvinculação aristotélica entre o bem e o prazer.
[14]
Em stricto sensu, o medo é entendido
como uma emoção-choque devido à percepção de perigo presente e urgente que
ameaça a preservação do indivíduo. Provoca, então, uma série de efeitos no
organismo que o tomam apto a uma reação de defesa, como a fuga, por exemplo.
Portanto,
constata-se que o medo é uma emoção básica, não só no sujeito, mas em
diferentes formas de vida, aproximando-se de uma reação biológica comum. Mas, o
medo se torna mais complexo quando transita na esfera humana.
Os
tempos sombrios em que vivemos, de violência e globalização, que apresentam um
quadro social em constante mudança, sem garantias, geram um universo de
insegurança e de medo. Podemos dizer que nossa cultura ocidental, onde o
individualismo e o consumismo são eleitos como valores pós-modernos, intensifica
os sentimentos de desamparo do sujeito.
[15]
Há divergências bem nítidas no discurso contemporâneo, pois o relativismo
(historicismo) se opõe ao absolutismo (transcendentalismo). A existência de
múltiplas estruturas de referência, cada qual com os respectivos esquemas de
compreensão e critérios de racionalidade e que trazem coexistência de posições
comparáveis e rivais e irreconciliáveis. Afinal, se reconhece diferentes
pessoas e grupos que vivem literalmente em mundos diferentes. Assim não existe
um sistema inconteste de definição da realidade.
[16]
Max Horkheimer (1895-1973) foi filósofo e sociólogo alemão. Como grande parte
de intelectuais da Escola de Frankfurt, era judeu de origem, filho de um
industrial chamado Moses Horkheimer, e estava destinado a dar continuidade aos
negócios paternos. Por intermédio de seu amigo Friedrich Pollock Horkheimer
associou-se em 1923 à criação do Instituto da Pesquisa Social, do qual foi
diretor em 1931 sucedendo o historiador austríaco Carl Grunberg.
umas
formulações, sobretudo aquelas acerca da razão Instrumental, junto com as
teorias de Theodor Adorno e Herbert Marcuse, compõem o núcleo fundamental
daquilo que se conhece como Escola de Frankfurt.
Em
resumo, a teoria crítica de Horkheimer pretende que os homens protestem contra
a aceitação resignada da ordem total totalitária. A "razão polêmica"
de Horkheimer, ao se opor à razão instrumental e subjetiva dos positivistas,
não evidencia somente uma divergência de ordem teórica.
Ao tentar superar a
razão formal positivista, Horkheimer não visa suprimir a discórdia entre razão
subjetiva e objetiva através de um processo puramente teórico. Essa dissociação
somente desaparecerá quando as relações entre os seres humanos, e destes com a
natureza, vierem á configurar-se de maneira diversa da que se instaura na
dominação. A união das duas razões exige o trabalho da totalidade social, ou
seja, a práxis histórica.
[17]
Enquanto os primeiros estoicos entendiam a natureza de modo unívoco e mais
objetivo, ou seja, referida indistintamente à ordem cósmica do homem e dos animais.
Já os estoicos do último período especificam o sentido da natureza e, introduzem
ao lado de uma acepção física do termo, também uma dimensão mais antropológica,
à qual dão maior destaque. Na discussão
contemporânea sobre a ética há temas da vida humana sempre apresentada pelas
possibilidades oferecidas pela ciência e pela técnica de intervir sobre as
estruturas da vida.
[18]
O pensamento de Horkheimer é um dos mais importantes da filosofia
contemporânea. Ao enfrentar a "razão instrumental" com sua
"teoria crítica", ele denuncia essa razão como criadora de perigosos
mitos, situando-se em um marxismo não-ortodoxo, ligado também a certo humanismo
individualista.
[19]
O homem é, portanto, um ser que produz a si mesmo, natural e socialmente: (...)
os indivíduos fazem-se uns aos outros, tanto física quanto espiritualmente
(...). Em outros termos, A produção da vida, tanto da própria, no trabalho,
como da alheia, na procriação, aparece agora como uma dupla relação: de um
lado, como relação natural, de outro, como relação social – social no sentido
de que se entende por isso a cooperação de vários indivíduos, quaisquer que
sejam as condições, o modo e a finalidade.
O
processo de autoconstrução dos seres humanos é ao mesmo tempo o processo de
produção das individualidades sociais e da própria sociabilidade.
[20]
Bauman denominou a Ética na Pós-Modernidade como a “Era da Moral”. Esse
fundamento nuclear dos fenômenos éticos não consegue ser exaurido dentro de
normas precisas e calculáveis. A Moral, para o referido autor, não pode ser
demonstrada tampouco logicamente deduzida. A mencionada categoria é
contingente, ambivalente, incontível.
É
a única autoridade capaz de orientar os seres humanos para a compreensão de si,
pois flui na incerteza do desejo.
A
ambivalência retrata o caráter fragmentário da vida. É a incerteza produzida
pelas nossas percepções sobre o que é – ou venha a ser – razoável e irrazoável.
Essas “conseqüências não-antecipadas ”mostram a necessária ponderação na qual
precisa ser realizada a fim de compreender o trânsito entre os aspectos
“dicotômicos” da vida.
[21]
A moralidade se refere a um código moral concreto, ou seja, de uma determinado
país ou período histórico e cultural. Situa-se na moralidade os juízos morais
que se relaciona com a capacidade de julgar o certo e o errado. A moralidade é
fenômeno complexo que nos permite entender de formas distintas. Assim, a
moralidade se revela como dimensão do ser humano e os pensadores modernos como
forma de consciência. Há diferentes abordagens sobre a moralidade por parte da
Filosofia que pode ser chamada de Ética ou Filosofia Moral.
A
mais interessante acepção de moralidade é aquela que é entendida como aptidão
para resolver conflitos, e para melhor entendimento é preciso compreender o
conceito de reconhecimento recíproco de George H. Mead: ao contrário dos
enfoques que ancoram a noção de moralidade no indivíduo, nesta concepção a moralidade
não pode ser pensada fora do âmbito social. Assim, Mead situa o problema moral
em relação aos conflitos sejam estes individuais, sejam estes coletivos. Pela
racionalidade, além de estabelecer para si mesmo leis próprias, o homem deve
ser capaz de decidir sobre elas por meio do diálogo.
[22]
Jurandir Freire Costa, citando Bauman e Ehrenberg, afirma que “o indivíduo
incerto de hoje se tornou um ‘colecionador de sensações’ e não mais um asceta
dos sentimentos (...). Pouco a pouco, aprendemos a querer dos ‘sentimentos’ o
que esperamos das ‘sensações’. Ou seja, assim como na gramática das sensações
aprendemos a repudiar com veemência toda dor ou qualquer desprazer, também
queremos evitar sentimentos que nos façam sofrer. O autor assinala que “no
presente, o comércio das imagens e sensações é a âncora identificatória dos
indivíduos. Saber quem ou o que se é significa tomar a) o que se ‘experimenta’
como sensações e b) o que é oferecido nos modelos publicitários como critério
para saber o que se deve ser.
As drogas legais ou ilegais, os cuidados
corporais, as imagens televisivas deixaram de ser meios marginais na construção
das identidades subjetivas; tornaram-se os instrumentos por excelência do
acesso ‘às verdades da nossa natureza’. Em função do poder de compra, temos
acesso a alguns deles ou a todos eles, mas nenhum grupo socioeconômico, pelo
menos nas cidades, escapa de sua ação”.
[23]
Afirmou Bauman que o postulado de universalidade sempre foi demanda sem
endereço, ou um pouco mais concretamente, espada com o gume voltado para grupo
seleto. Sempre estavam na mira do canhão da universalidade os costumes
paroquianos, práticas comunais.
Nas
tentativas de libertar o ser humano do jugo dos mitos, da religião e do despotismo
acabou-se por impor determinados limites que, à luz dos nossos dias, caminharam
na direção oposta a seus propósitos. O esforço desmedido da modernidade em
conquistar um código que pudesse resolver tais diferenças e ambiguidades
resultou em uma ilusão. Por outro lado, o indivíduo viu-se obrigado a cumprir
uma moralidade determinada pelo Estado na sua legislação.
O que significaria
emancipação e autonomia das práticas locais configurou-se determinantemente na
heteronomia legalista da nação-Estado; a moralidade passa a ser determinada nos
códigos e, paulatinamente, torna-se a única obrigação moral dos indivíduos.
Desta forma, até o próprio Estado viu-se vítima de seu postulado, pois o
postulado da universalidade não só alui as prerrogativas morais das comunidades
agora transformadas em unidades administrativas da nação-Estado homogênea, mas
também torna inteiramente insustentável a pretensão de ser a única autoridade
moral.
[24]
O processo de identidades e culturas se reflete, por exemplo, no Homem Aranha o
alter ego de Peter Parker que pertence à galeia daqueles que adquiriram seus
poderes em laboratório. Ele é Peter Parker, um estudante, uma pessoa comum que
adquire seus poderes após ter sido picado por uma aranha radioativa. Seus
poderes passaram a ser de aracnídeos e não de seu próprio corpo, de ser humano.
Assim, o herói vive o duplo e a mesma necessidade de se esconderem entre os
comuns.
O
personagem carrega em seu mito de criação os traços de americanismo que
auxiliam na aproximação do leitor para si e difusão de valores implícitos, que
nos ensinam comportamentos e pensamentos direcionados para o que sentir,
pensar, acreditar, temer e desejar.
Peter
Parker faz parte do proletariado e nem sempre se considera triunfante em suas
missões, concebe o jornal como uma metáfora da concentração burguesa dos meios
de produção, trata os problemas sociais como algo maior que os conflitos
psicológicos de um indivíduo. O herói tem conflitos complexos em relação aos
seus papéis sociais.
[25]
O homem é ser moral porque é um ser de consciência, ou seja, que tem consciência,
um ser de convivência e um ser de liberdade. É necessário, antes de tudo, que o
homem se assuma como um sujeito, dotado de individualidade irredutível a outras
individualidades, uma existência diferente e diferenciada. O núcleo central da
moralidade é o eu, mas não um eu encerrado sobre si mesmo, autista, reduzido a
uma prisão aquário, antes um eu aberto ao exterior, curioso e em trânsito.
Aquilo
que faz com que se possa perceber-se como sujeito e, constituir-se como
indivíduo é a consciência. Este "eu" de que me apercebo através da
consciência não se limita a um corpo ou um conjunto de sensações, mas também
não se reduz ao espírito.
Se
não posso ou não devo considerar os sentidos e os sentimentos como ilusões
também não posso esquecer a importância do pensamento como instrumento precioso
de investigação da realidade. Este eu de que me apercebo através da consciência
não é uma identidade estática, inalterável, mas uma complexidade e um edifício
em construção.
É
pela consciência que o homem se distingue do animal, é pela consciência que o
homem se define como ser moral. É mediante a consciência que o homem se define
como ser moral. É mediante a consciência que alguns atos do homem se convertem
em ações significativas e transformadoras do próprio homem. É a consciência que
possibilita quer uma visão retrospectiva quer projetiva da realidade e das
nossas ações e desta forma ultrapassar a sensação do imediato, tornando-nos
seres de horizontes amplos.
[26]
O poder disciplinar segundo Bauman não pode mais ser exercido pela comunidade,
por métodos tradicionais, eu te observo e você me observa. Era necessário um
agente novo, mais poderoso e capaz de projetar, organizar, gerenciar e
acompanhar conscientemente o novo problema criado que seria as legiões de
homens livres e as classes perigosas. Esse agente era o Estado. Assim nos
séculos XVI e XVII em França e Reino Unido, a atividade legislativa era voltada
ao combate às classes perigosas.
Já
na pós-modernidade há um aperfeiçoamento crescente dos mecanismos de controle,
o monitoramento através de câmeras e leituras e reconhecimentos ergométricos. O
Estado-educador é responsável de fazer os seres humanos ascenderem à perfeição
exigida pela ordem social, da forma adequada e renomeada de bem-comum.
[27]
Aporia é a dificuldade ou dúvida decorrente da impossibilidade objetiva de
obter resposta ou conclusão para uma determinada indagação filosófica. Em grego
a palavra significa caminho inexpugnável, sem saída, impasse ou paradoxo,
momento de contradição que impede que o sentido de um texto ou de uma
proposição seja determinado. O estudo de aporias designa-se de aporética.
Na
mitologia grega, a Aporia também era conhecida como Amecania e personificava a
impotência, a dificuldade, o desamparo e falta de meios, sendo, portanto,
odiada e marginalizada por todos os homens. Era companheira de Penia, a
pobreza, e Ptoqueia, a mendicidade, e suas divindades opostas eram Oporia, a
fartura e a Eutenia, a prosperidade. Aristóteles definiu a aporia como uma
igualdade de conclusões contraditórias.
[28]
Por ser refém do outro, eu me torno, pelo outro, responsável. Eu me torno, por
intermédio do outro, um sujeito responsável e me torno, por isso, um sujeito
responsável pelo outro. Se a alteridade é absoluta, se sou refém de meu próprio
desejo, só que me resta é responder ao chamado dessa alteridade e acolher o
rosto de todo outro que se me apresenta - o que configuraria o segundo aspecto
da justiça. Por isso que Lévinas afirmou que a relação com o outro é, ela
mesma, justiça.
[29]
"Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar".
Trecho
da letra e música Antonio Machado,
Intitulada
Cantares. Tradução de Maria Tereza Almeida Pina.
[30]
A relatividade não se coaduna com o uso moral da palavra bem, na medida em que
o Bem moral deve ser absoluto, no sentido de ser bom em si. Na República de
Platão, Glaucon pergunta a Sócrates: “não te parece que há uma espécie de bem
em si mesmo, que gostaríamos de possuir, não por desejarmos as suas consequências,
mas por estimarmos por si mesmo”? (357ª.C). Este é o bem moral, que reivindica
para si uma espécie de incondicionalidade, o que faz ser bom independentemente
de suas consequências.
[31]
A palavra ética provém do grego ethos
que significa morada, habitat, refúgio,
ou seja, o lugar onde as pessoas habitam. Aristóteles acreditava que a ética é
caracterizada pela finalidade e pelo objetivo a ser atingido, que seria viver
bem, ter uma boa vida, juntamente e para os outros.
Também
pode ser definida como um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação
do comportamento humano na tentativa de explicar as regras morais de forma
racional e fundamental.
A
ética é parte da filosofia que estuda a moral, pois reflete e questiona sobre
as regras morais.
Moral
é originária do termo latino morus e
se refere aos costumes, isto é, aquilo que se consolidou como sendo verdadeiro
do ponto de vista da ação. Moral é fruto de padrão cultural, social vigente e
engloba as regas tidas como necessárias para o bom convívio entre os membros
que fazem parte de determinada sociedade.
A
moral é formada pelos valores previamente estabelecidos pela própria sociedade
e os comportamentos socialmente aceitos e passíveis de serem questionados pela
ética.
No
sentido prático, a finalidade da ética e da moral apesar de ser bastante
semelhante, pois ambas são responsáveis por construir as bases que guiarão a
conduta do homem determinando o seu caráter e a sua forma de se comportar em
determinada sociedade.
Vásquez
aponta que a Ética é teórica e reflexiva, enquanto a Moral é eminentemente
prática. Uma completa a outra, havendo um inter-relacionamento entre ambas,
pois na ação humana, o conhecer e o agir são indissociáveis.
[32]
Mas que disposição da alma é uma excelência moral?
Para
Aristóteles, as deficiências morais são apresentadas como excessos, e a posição
intermediária que anula esses excessos é a medida adequada de uma ação
moralmente adequada. Com relação ao medo, por exemplo, uma pessoa pode ser
covarde (quando o medo excessivo leva ao não enfrentamento dos riscos) ou
temerária (quando a excessiva falta de medo faz com que os riscos sejam
simplesmente desconsiderados).
No
meio termo, está o corajoso, que tem a dimensão adequada da ação, assumindo os
riscos necessários.
Porém,
o termo médio não é equidistante dos extremos, na medida em que a coragem se
aproxima muito mais da temeridade que da covardia. Uma ação temerária pode até
ser confundida com uma corajosa, mas uma ação covarde está muito distante
desses dois pontos.
Do
mesmo modo, a liberalidade pode às vezes ser confundida com a prodigalidade,
mas nunca com avareza. Assim, o homem excelente deve ser capaz de identificar
em cada ação os extremos a que levaria uma deficiência moral, e ter uma
disposição moral que aponte para a realização do meio termo justo, que se
coloca entre eles.
[33]
Podemos intuir que as moralidades empresariais são pode demais frágeis para
resistir aos princípios de conduta fundantes que as regulam. Os próprios
processos éticos dos agentes empresariais, dos sócios ou dos acionistas,
levando em conta as definições de ética que podem se opor a moralidade
empresarial.
A
humanidade é moldada e contida pela moralidade dos mercados ou dos Estados,
tornam-se rebanhos domesticados que não escolhem nem o pasto para se alimentar
ou o tempo de permanecer no campo e, tudo isso, validado pelas religiões que
são poderosos instrumentos de controle social, pois pregam a submissão
existencial e criam esperanças no porvir.
34]
Há diferentes propostas em relação do problema da modernidade e seu
desdobramento na ética, a saber:
a)
A proposta modernizante liberal que implica na integral aceitação da
modernidade, social e cultural, na perspectiva da expansão e consolidação dos
mecanismos de mercado, da democracia liberal e da tecnociência.
No plano da ética, o que se verifica é que a racionalidade sistêmica que caracteriza a modernização social é insuficiente para fundamentar a moral, em consequência tende-se ao irracionalismo moral e à hipertrofia da dimensão sistêmica da sociedade (produção-consumo) em detrimento da dimensão interacional da existência (valor, sentido), o que Habermas designou como "colonização do mundo da vida através dos imperativos dos sistemas funcionais".
No plano da ética, o que se verifica é que a racionalidade sistêmica que caracteriza a modernização social é insuficiente para fundamentar a moral, em consequência tende-se ao irracionalismo moral e à hipertrofia da dimensão sistêmica da sociedade (produção-consumo) em detrimento da dimensão interacional da existência (valor, sentido), o que Habermas designou como "colonização do mundo da vida através dos imperativos dos sistemas funcionais".
2.
A proposta modernizante neoconservadora que implica na aceitação da modernidade
social e na rejeição da modernidade cultural, na perspectiva de uma conciliação
da economia de mercado e da ciência com valores e concepções da sociedade
tradicional pré-moderna.
Essa posição neoconservadora pressupõe que o conteúdo da moral seja a histórico e possa a ser transportado de uma época para outra, mas o que se verifica é que essa dualidade entre sociedade (moderna) e cultura (pré-moderna) é insustentável. A racionalidade sistêmica ou moderna inviabiliza culturalmente significativa a racionalidade substancial (pré-moderna) típica das grandes concepções religiosas do passado.
Essa posição neoconservadora pressupõe que o conteúdo da moral seja a histórico e possa a ser transportado de uma época para outra, mas o que se verifica é que essa dualidade entre sociedade (moderna) e cultura (pré-moderna) é insustentável. A racionalidade sistêmica ou moderna inviabiliza culturalmente significativa a racionalidade substancial (pré-moderna) típica das grandes concepções religiosas do passado.
3.
A proposta pós-modernizante implica na rejeição integral da modernidade social
e cultura, não a perspectiva de um impossível retorno ao passado, mas visando
uma desconstrução do projeto moderno como projeto de unificação e
homogeneização da história. Pretende-se, assim, possibilitar a emergência de
diferenças irredutíveis (étnicas, sexuais, individuais) que escapem da
camisa-de-força normativa que caracterizou até hoje o logocentrismo ocidental.
O que se verifica, entretanto, é que a posição pós-moderna parece debater-se
entre a virulência do discurso que produz e a integração ao individualismo
necessário de uma sociedade que realimenta o consumo através da máxima diferenciação
dos gostos, dos estilos de vida e dos valores subjetivos.
4.
A proposta dialetizante que implica na aceitação da modernidade cultural, isto
é, de uma cultura secular e diferenciada em esferas autônomas de racionalidade
e numa crítica forte das patologias da modernização social na perspectiva de
uma dialética interna do projeto iluminista.
Assim, as pretensões funcionais da economia e da administração seriam contidas pelo dinamismo das interações comunitárias, pelo vigor do mundo da vida (Lebenswelt). A racionalidade sistêmica não seria rejeitada, mas subsumida numa nova forma de racionalidade, e comunicacional, capaz de fundar sem reducionismo o discurso ético.
Assim, as pretensões funcionais da economia e da administração seriam contidas pelo dinamismo das interações comunitárias, pelo vigor do mundo da vida (Lebenswelt). A racionalidade sistêmica não seria rejeitada, mas subsumida numa nova forma de racionalidade, e comunicacional, capaz de fundar sem reducionismo o discurso ético.