LABIRINTO
INTERPRETATIVO
Filosofia
ontem e hoje.
Resumo.
Sobreviver
num labirinto interpretativo é viver a pós-modernidade com suas irremediáveis
conquistas como: a subjetividade e racionalidade. A fase de metamorfose
infinita, quando nos deparamos com o advento do niilismo e o evento da morte de
Deus cumprem a progressiva fragilidade-declínio dentro do pensamento ocidental.
Há uma violência metafísica da identidade, fazendo emergir a diferença como a
principal chave interpretativa de toda história da humanidade. O esgotamento
das pretensões totalizantes de uma razão única tomou várias formas, que são todas indicações para
escolhas, valores, juízos.
Palavra-chave:
Filosofia. Pós-modernidade. Hermenêutica. História da Filosofia. Filosofia
contemporânea.
A
filosofia tem uma história bastante longa e um conteúdo bastante profundo e,
por essa razão, os rótulos usados para classificar os pensadores e as escolas
filosóficas devem obedecer a critério técnico além de uma análise detalhada,
pois, do contrário, cometeremos graves injustiças contra tais filósofos. Esse
mesmo cuidado também deve ser observado ao separarmos a filosofia em períodos
históricos, afinal, dependendo do critério utilizado.
A
divisão histórica da filosofia, no entanto, nos ajuda a compreender do
pensamento dos filósofos. Apesar de todos os problemas que se possa ter essa
divisão. Recapitularemos a divisão tradicional da filosofia, conforme seis
períodos, a saber: a filosofia antiga, patrística, filosofia medieval,
renascimento, filosofia moderna e filosofia contemporânea.
Em
primeiro lugar, há a filosofia antiga que vai do século VI até o
século I antes de Cristo, podendo tal período ser subdividido. O século VI é
considerado o período da filosofia clássica; o século III até ao I é
considerado como a fase de decadência da filosofia grega.
Em
segundo lugar, nós temos a filosofia patrística, que abrange desde o
século I d. C. até o século V. Nesse período, destacam-se os pensadores que
vincularam a filosofia grega e o cristianismo, formando uma doutrina cristã
sólida.
Em
terceiro lugar, nós temos a filosofia medieval, que abrange os séculos VI
e XIII. Esse período também pode ser subdividido: Baixa Idade Média e Alta Idade
Média.
A
primeira é marcada pela queda do Império Romano, pela desorganização social e
pela tentativa do cristianismo de se consolidar. A segunda é marcada pela
consolidação da Igreja, pela volta das fortes relações comerciais e pelo
retorno da cidade.
Em
quarto lugar, nós temos a filosofia do Renascimento, que abrange os séculos XIV
e XV. Esse período é marcado pela retomada da cultura grega clássica, fornecendo
temas pagãos às artes plásticas, recuperando filosofias clássicas sem o vínculo
do cristianismo e desestabilizando a relação entre Estado e Igreja.
Em
quinto lugar, nós temos a filosofia moderna, que abrange os séculos
XVI e XIX. Porém, existe uma polêmica em torno do fim da modernidade, se esse
período acabou mesmo no século XIX, ou se ele continua até os dias atuais.
Em
sexto lugar, nós temos a filosofia contemporânea, começando na segunda
metade do século XIX e se prolongando até os dias atuais. Para alguns, esse
período pode ser chamado de pós-modernidade. Para outros, o período atual não
deve ser chamado pós-moderno, embora seja contemporâneo e diferente da
modernidade.
Ressalte-se
que se trata de uma tradicional divisão, porém, existem outros modos de separar
a história da filosofia alguns mais polêmicos e outros nem tanto. E, tudo
dependerá do critério adotado para dividir as filosofias e os períodos
filosóficos. E, a relevância reside na distinção entre a modernidade e o
contemporâneo, suas características, limites e diferenças.
Cumpre,
primeiramente, definir se existe ou não a célebre pós-modernidade? Os critérios
que definem a ideia de pós-modernidade e precisam ser objetivos,
pois, do contrário, corre-se o risco de classificarmos de pós-moderno aquilo
que ainda permanece sendo moderno.
Segundo
Jürgen Habermas afirmou que ainda estamos vivendo na modernidade, já Georges
Balandier denomina nossa época de
supermodernidade.
Gilles
Lipovetssky denomina o contemporâneo de hipermodernidade. Por sua vez, Anthony
Giddens cogitou de modernidade tarde e modernidade radical e, Terry Eagleton
trata o nosso tempo pelo título de modernismo; Ulrich Becc intitula a época atual de
modernidade reflexiva.
Zygmunt
Bauman chama de modernidade líquida; e Jean-François Lyotard definiu o
contemporâneo de pós-modernidade. Cada
estudo dessas traz características importantes sobre a atualidade e, ainda que
nem sempre tais leituras coincidam, nós podemos compreender sob vários ângulos
as condições, os fenômenos e as transformações da vida contemporânea.
"Estudar
e classificar as diferentes fases da história do pensamento requer uma atenção
meticulosa e dispendiosa. Pois, subjacente a esse tema, nós nos deparamos com a
tarefa de entender, em cada fase da história, o agrupamento dos indivíduos, a
sua organização social e a sua cultura.
Sobre
essa tarefa, o sociólogo Zygmunt Bauman comenta: “Na clássica definição de
Richard Sennett,
uma cidade é ‘um assentamento humano em que estranhos têm chance de se
encontrar’. Isso significa que estranhos têm chance de se encontrar em sua
condição de estranhos, saindo como estranhos do encontro casual que termina de
maneira tão abrupta quanto começou”. (In: adaptado de Bauman (2001).
A
modernidade teve o seu início, sob certo ponto de vista, no surgimento da ideia
de liberdade como autonomia, a qual só poderia ser alcançada pelo
desenvolvimento da razão, que ficou conhecida pelo nome de esclarecimento (Aufklärung).
Por
isso, em função do processo de emancipação e de esclarecimento, a modernidade
talvez possa ser definida pela sua tentativa de construir o seu próprio
destino, livrando-se da submissão das instituições religiosas e de outros
tutores da vida humana.
Em
síntese, o processo de esclarecimento (Aufklärung) coloca o homem
moderno no caminho da autonomia. Em termos kantianos, a modernidade pode ser
considerada o início do processo de saída da menoridade em direção à
maioridade, livre das submissões ou de qualquer tipo de tutela.
Nesse
sentido, o pensamento moderno ganha algumas características próprias de seu
tempo: a pretensão de universalidade da verdade, a racionalização da religião,
a universalização de valores morais e de critérios artísticos.
No que
tange a busca de uma verdade universal, cabe analisar os projetos filosóficos e
científicos de pensadores modernos como Descartes e Kant. O primeiro pretendeu
apresentar um método científico universal para validar o conhecimento
verdadeiro e descartas as opiniões falsas.
Já
Kant, a seu turno, elabora uma filosofia transcendental, apresentando as
estruturas da razão e delimitando aquilo que pode ser cientificamente conhecido
e aquilo que não pode ser cientificamente conhecido. Em resumo, cogitamos de
critérios absolutos para a produção de conhecimento verdadeiro.
Lembremos
que na modernidade, a ciência adquiriu caráter de pretensão universal,
fornecendo critérios absolutos para a validação do conhecimento. A pretensão
moderna é que haja apenas uma única Verdade e uma única Ciência, a qual confere
unidade a todo saber. a modernidade é marcada pela busca de critérios morais absolutos.
Sistemas
filosóficos modernos que abordam a ética sempre têm em vista a normatização
universal das ações. A modernidade procura valores morais absolutos, tal como
formulado no imperativo categórico de Kant.
De
semelhante modo, a modernidade também é marcada pela busca de um critério
universal para as artes, transformando a pluralidade de artes em uma única
Arte. A modernidade pretende absolutizar um único critério artístico para
filtrar aquilo que é arte daquilo que não se enquadra nesse critério.
No
tocante à religião, a modernidade iniciou um movimento chamado de “teologia
liberal”. Essa corrente teológica visa a racionalizar tudo aquilo que concerne
à fé.
Os
Evangelhos, por exemplo, são relidos sob uma ótica racional, tentando
“desmitificar” as narrativas fabulosas dos evangelistas e, com isso, explicar
de um ponto de vista racional as ações e a vida de Jesus. A teologia liberal é,
no fundo, uma subordinação da fé religiosa por uma razão religiosa.
A
modernidade parece apresentar diversos discursos totalizantes que abarcam toda
uma pluralidade de fenômenos em um único padrão. E, tais discursos totalizantes
englobam o campo da ciência (da verdade), da moral, da religião e da arte. Na
realidade, os discursos modernos totalizantes têm como coincidência a
supervalorização da razão.
Afora
isso, a ideia de história linear proposta por Agostinho de Hipona na fase da
patrística, a história que começaria no pecado de Adão e terminaria no juízo
final, é secularizada na modernidade. A noção de uma história linear permanece
em Kant, Hegel e Marx, mas agora com fundamento do sujeito autônomo e não da
Providência Divina.
Sublinhe-se
que a secularização no sentido histórico progressivo é cada vez mais enfático
na modernidade. E, embora Kant tenha privilegiado os processos propriamente
racionais no sujeito, o filósofo ainda supunha a ideia de Providência.
Já
Hegel, por sua vez, nós encontramos a ideia de uma história progressiva, que
culmina no sujeito absoluto. Em Marx, é o próprio homem responsável pela
história.
Assim,
a história seria, na modernidade, totalmente humana.
Hegel
fora o primeiro filósofo que desenvolveu um conceito esclarecedor de
modernidade, em razão disso, é necessário retornar ao filósofo se quisermos
entender o que significou a relação interna entre modernidade e racionalidade,
que permaneceu evidente até Max Weber e, hoje ainda é posta em
questão.
Eis os
contornos gerais da modernidade, a saber: a pretensão de universalizar, por
vias racionais, a verdade, a moral, a religião e a arte. Enfim, na modernidade,
o sujeito é valorizado em sua individualidade e, há o surgimento de políticas
liberais, que militavam contra o Antigo Regime.
A
noção de pós-modernidade carrega consigo tendências que rompem com os
principais aspectos da modernidade. A primeira pode ser definida, por certo
ponto de vista, pelo contraste com a segunda. Por exemplo, a modernidade busca
a normatividade absoluta, enquanto a pós-modernidade é definida pelo
desregramento e pela desregulamentação.
A
modernidade se projeta para o futuro, na expectativa de alcançar a liberdade
dos indivíduos, enquanto a pós-modernidade é marcada pela falta de consciência
histórica, pela supervalorização do presente e pela crise de projeções para o
futuro. A modernidade é marcada pelo planejamento, já a pós-modernidade é
definida pelo acaso.
Portanto,
podemos entender a pós-modernidade em contraste com a modernidade. Em uma
proposição: a pós-modernidade pode ser entendida como a modernidade que não se
realizou.
Há
questões fundamentais sobre a pós-modernidade e que se referem as suas
características, ao seu início e ao seu conteúdo.
A
primeira questão é de natureza cronológica, quando a pós-modernidade iniciou?
Os estudiosos não chegaram a uma conclusão uníssona. Alguns afirmam que começou
a partir da Revolução Francesa. Já outros, afirmam que teve início a partir da
crise financeira dos EUA de 1929.
Outros
cogitam que teve início depois da Segunda Guerra Mundial e, assim por diante. O
início da pós-modernidade ainda gera muita polêmica.
A
próxima pergunta refere-se às características da pós-modernidade e o que a
diferencia das demais épocas? A relevância da resposta define a época atual com
diferente da época anterior.
Caso
não haja resposta para essa questão, então não se poderá afirmar a existência
de uma pós-modernidade. Isto é, só podemos cogitar em pós-modernidade se a
época atual apresentar características muito diferentes e peculiares em
comparação às demais épocas.
A
próxima questão refere-se ao campo de abrangência da pós-modernidade. Será que
atinge a todos os setores da cultura humana? Ou, resta restrita somente a
alguns setores específicos da sociedades? E, se forem poucos os setores
atingidos, quais seriam estes?
Um dos
mais famosos pensadores que se dedicou ao tema da pós-modernidade foi, sem
dúvida, Jean-François Lyotard que em sua obra "A
Condição Pós-Moderna"(2015) e defendeu que nós vivemos em uma
pós-modernidade.
"A
Condição Pós-Moderna", escrita em 1979, insere a problemática do
pós-moderno no cenário filosófico. Grosso modo, Lyotard estabelece três
características centrais da pós-modernidade: a crise das metanarrativas, os
jogos de linguagem e a crise da razão como um todo.
No
tocante ao problema da legitimidade da ciência, esse filósofo examina “a posição
do saber nas sociedades mais desenvolvidas” (LYOTARD, 2015). De acordo com Lyotard, em função das
transformações no campo da ciência, da literatura e da arte, houve uma
alteração na cultura de forma geral, tornando possível classificar essas
sociedades como pós-modernas
Pela
referida obra, a modernidade corresponde a um período mais longo, compreendendo
desde Descartes até os anos cinquenta. E, nessa obra, Lyotard faz recorte
temático, vindo a examinar as transformações daquilo que chamou de "crise
de relatos".
Aliás,
na modernidade, as narrativas legitimadoras do saber eram diferentes do cenário
pós-moderno. E, assim, a filosofia legitimava a ciência por meio de suas metanarrativas.
E, conforme o autor e filósofo, por causa da crise da ciência, a filosofia
serviu a esta como legitimadora e ordenadora das regras de seu jogo.
A
modernidade é marcada pelo saber legitimado pela metanarrativa.
Metanarrativa
(também conhecida como grande narrativa; do francês: métarécit) é um
termo literário e filosófico que significa simplificadamente a narrativa
contida dentro ou além da própria narrativa. É um termo que tomou o centro dos
debates ao final do século XX pelo filósofo francês Jean-François Lyotard
(1924-1998), que considerava que se
estabeleceria
o fim das grandes narrativas. Um exemplo das grandes narrativas presentes nos
discursos, segundo Lyotard, seriam o iluminismo, o idealismo e o marxismo.
O
prefixo meta- tem sentido de "além de"; "no meio de",
"entre"; "atrás", "em seguida",
"depois". Na prática textual, uma metanarrativa é todo o discurso que
se vira para si mesmo, questionando a forma da produção da narrativa. A técnica
de construção de uma metanarrativa obriga o autor a uma preocupação particular
com os mecanismos da linguagem e da gramática do texto.
No
texto de Almeida Garrett, um exemplo de
metanarrativa em “Viagens na Minha Terra”: Essas minhas interessantes viagens
hão-de ser uma obra prima, erudita, brilhante, de pensamentos novos, uma coisa
digna do século.
No
entender de Lyotard, o declínio das ideologias iluministas e marxistas na
sociedade pós-industrial advém, assinala o autor, menos do desenvolvimento do
capitalismo do que da ineficácia das mesmas no cenário contemporâneo.
Considera
o doutrinador que a aspiração de um saber globalizante atrelado a um modelo
único de discurso perde sua força frente a conjuntos de fragmentos de histórias
variadas e muitas vezes contraditórias sobre um mesmo assunto. Estabelece-se
assim a pluralidade de possibilidades de se entender os fenômenos históricos.
"Um
exemplo de metanarrativa é a filosofia iluminista, que acreditava que a razão e
seus produtos - o progresso científico e a tecnologia - levariam o homem à
felicidade, emancipando a humanidade dos dogmas, mitos e superstições dos povos
primitivos.
O
marxismo é outro exemplo de metanarrativa. Para os marxistas, a história era
impulsionada pelo confronto entre duas classes contraditórias, a burguesia e o
proletariado, que resultaria, ao fim da revolução do proletariado, numa
sociedade sem classes, de plena liberdade e igualdade: o comunismo."
A
pós-modernidade, porém, é marcada, segundo esse pensador, pelo questionamento
dos metarrelatos. É considerada “pós-moderna a incredulidade em relação aos
metarrelatos” (LYOTARD, 2015). Dessa desconfiança em relação aos metarrelatos,
instaura-se a crise da razão, pois coloca-se em xeque justamente aquilo que
legitimava o saber.
Com
essa derrocada dos metadiscursos, a filosofia metafísica sofre duros golpes,
abalando os alicerces da modernidade. O saber, a verdade e a ciência não
possuem mais o seu fundamento sólido, pois as metanarrativas – alicerces que
legitimavam o conhecimento moderno – também foram postas em dúvida. Portanto,
as narrativas que legitimavam o saber moderno já não possuem autoridade,
inaugurando o pós-moderno.
Outra
característica da pós-modernidade é, conforme Lyotard (2015), os jogos de
linguagem. Emprestado o conceito de Wittgenstein, eles consistem na
falência de uma única narrativa verdadeira (metanarrativa) e na composição de
várias narrativas válidas dentro de suas regras particulares. Os diversos
grupos da sociedade possuem regras de linguagens diferentes, constituindo
vários jogos de linguagens.
Lyotard
(2015) chamou a atenção para o fato de que as regras dos jogos de linguagem são
tomadas por acordos entre os jogadores. Logo, as regras dos jogos de linguagem
não possuem valor em si mesmas, elas não têm um valor metafísico ou absoluto.
Nada
mais são do que convenções e acordos entre os jogadores. Não obstante as regras
não tenham garantia por si mesmas, os jogos de linguagem são dependentes dessas
regras. Sem elas, não há tais jogos.
Lyotard
(2015) também afirmou que os jogos de linguagem contêm uma disputa interna, em
que cada enunciado e proposição é, realmente, uma tentativa de estabelecer
novas regras.
E,
assim, os enunciados são, ao mesmo tempo, uma submissão às regras que foram
acordadas e uma tentativa de legislar sobre as próprias regras. Como efeito da
crise de legitimação dos saberes e do surgimento dos jogos de linguagem,
Lyotard discorreu sobre a crise da razão.
Diferentemente
da modernidade, na qual nós podemos encontrar uma Verdade absoluta e regras morais
universais, a pós-modernidade consiste na queda das metanarrativas que sustentavam
a Verdade absoluta.
Ao
invés de um discurso totalizador, nós temos uma fragmentação em grupos, cada um
utilizando regras de linguagem diferentes e, com isso, estabelecendo os jogos
de linguagem. Por isso, a razão universal dá lugar a uma espécie de
relativismo.
Lyotard
(2015), portanto, define a pós-modernidade a partir de três características
diferentes: o fim das metanarrativas, o surgimento dos jogos de linguagem e a
crise da razão. Esses três acontecimentos fundam, de certa maneira, o pós-moderno.
A
pós-modernidade é caracterizada pela crise da ciência.
Essa
crise consiste no fato de que a ciência não possui mais critérios absolutos de
legitimidade. Argumentou Lyotard (2015) que isso faz surgir uma pluralidade de
ciências, colocando em crise o modelo moderno de ciência unificadora do saber.
As metanarrativas foram postas em dúvida, descreditando o fundamento da ciência
moderna.
Em
segundo lugar, a pós-modernidade é caracterizada pelos jogos de linguagem. Sem
os metarrelatos, a sociedade elabora regras de linguagem a partir de acordos,
dando origem aos diversos jogos de linguagem.
Essas
regras não possuem estatutos metafísicos, mas são frutos de convenções, podendo
ser alteradas. Como consequência, esses
vários jogos separam os grupos de pessoas, tornando a sociedade cada vez mais
fragmentada.
A
pós-modernidade é caracterizada pela crise da razão. Em função da falência dos metarrelatos, que
deslegitima a autoridade da ciência, e em função dos vários tipos de jogos de
linguagem, a pós-modernidade é marcada por um forte relativismo dos valores,
originando uma crise da razão (LYOTARD, 2015).
Nossa
hipótese de trabalho é a de que o saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as
sociedades entram na idade dita pós-industrial, e as culturas, na idade dita
pós-moderna. (Jean-François Lyotard)
No
livro “O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica no
discurso pós-moderno”, escrito em 1985 pelo italiano Gianni Vattimo, nós encontramos a ideia
de que (como o título do livro sugere) a modernidade se extinguiu.
Gianni
Vattimo trabalha com a noção de pós-modernidade enquanto “fim da história”,
lançando mão das filosofias de Nietzsche e de Heidegger para apresentar a crise
dos fundamentos da verdade.
De
acordo com Vattimo (1996), a modernidade pode ser caracterizada pela constante
ideia da história do progresso do pensamento, baseado no processo de
“esclarecimento” (Aufklärung).
Essa
noção de progresso do pensamento como uma espécie de “iluminação” desenvolve-se
sobretudo com a apropriação dos “fundamentos universais” que, geralmente,
significam o retorno às origens primevas.
Encontrar
os “fundamentos” para o processo de esclarecimento significa, no fundo,
retornar, recuperar, renascer, resgatar o que foi deixado para trás.
Portanto,
uma das características mais fortes da modernidade é, paradoxalmente, a ideia
de superação do presente como desenvolvimento progressivo do pensamento, sempre
mediado pela recuperação da origem/fundamento (VATTIMO, 1996).
Nessa
definição de modernidade apontada por Vattimo, pode-se afirmar que a
pós-modernidade é aquilo que Nietzsche e Heidegger colocaram em debate: a
suspeita da razão como acesso ao fundamento/origem. Nietzsche e Heidegger instauraram,
cada um à sua maneira, o fim do fundamento da razão, inviabilizando a noção de
esclarecimento progressivo do pensamento.
E,
quando Nietzsche anunciou as crises instauradas pelo niilismo, ou seja, o vazio
absoluto de sentido. E, os fundamentos da razão foram detonados, não sobrando
sentido para o homem se apoiar.
Por
outro lado, Heidegger anunciou o fim da metafísica, mostrando que a lógica da
história da metafísica alcançou o seu esgotamento na filosofia nietzschiana.
Desta forma, sem metafísica e sem qualquer outro fundamento, a modernidade cai
no vazio de sentido, no niilismo.
Tanto
que Nietzsche e Heidegger não visam, conforme Vattimo (1996), superar a ideia
de fundamento/origem da razão, pois a ideia de superação e inovação como
renovação é propriamente moderna, o que faria de Nietzsche e Heidegger meros
continuadores da tradição que criticaram.
Por um
lado, Nietzsche e Heidegger criticaram a tradição moderna do conhecimento
fundacionista; por outro lado, eles não puderam propor um conhecimento mais
verdadeiro, pois isso seria reatar com o pensamento moderno que acabaram de
criticar.
Segundo
Vattimo (1996), é justamente esse posicionamento de Heidegger e de Nietzsche, em
criticar sem superar, que faz deles pensadores pós-modernos.
De
forma mais geral, Vattimo (1996) diz que a pós-modernidade “é a negação de
estruturas estáveis do ser, a que o pensamento deveria recorrer para
‘fundar-se’ em certezas não-precárias”.
Outra
característica da pós-modernidade apontada por Vattimo (1996) é a sua falta de
sentido histórico. A pós-modernidade não se apresenta como algo novo em relação
à modernidade, pois isso seria justamente pensar em um progresso histórico, o
que é especificamente moderno.
Pós-moderno
pode se caracterizar não apenas como novidade em relação ao moderno, mas também
como dissolução da categoria do novo, como experiência de “fim da história”,
mais do que como apresentação de uma etapa diferente, mais evoluída ou mais
retrógrada, não importa, da própria história (VATTIMO, 1996).
Vattimo
reflete a questão do ocaso da arte, mostrando como os critérios artísticos
começaram a se perder, até chegar ao ponto de o mercado definir o que é arte.
Em
outras palavras, a pós-modernidade não apresenta nenhum critério genuinamente
artístico, caminhando para a mercadologização da arte. Não é fortuito o fato de Vattimo se valer do
termo “indústria cultural”, cunhado por Adorno e Horkheimer, para se referir ao
mercado da arte.
As
teorias da vanguarda tendem a romper com os critérios de beleza instituídos
pela tradição, bem como rompem com as próprias instituições que definem a arte
(como o museu, por exemplo). Esta entrou em um ocaso, porque não existe mais
arte ou critério de beleza, mas só existe mercadoria para consumo (VATTIMO,
1996).
De
forma semelhante, Habermas também cogitou sobre o "fim da
modernidade", em sua obra "O Discurso Filosófico da Modernidade"
(2000), especificamente no quarto capítulo, intitulado "Entrada na
pós-modernidade: Nietzsche como ponto de inflexão, Habermas considera que a
filosofia de Nietzsche é o evento marcante e decisivo para a entrada da
pós-modernidade.
Habermas
se baseia, quase que exclusivamente, no livro “O Nascimento da Tragédia” de Nietzsche. Para o filósofo
alemão, Nietzsche inauguraria a pós-modernidade ao abandonar o projeto da
racionalidade moderna, retornando ao outro da razão, ao mito. Habermas identificou
em Nietzsche o ponto de viragem da modernidade para a pós-modernidade
(HABERMAS, 2000).
Em sua
perspectiva, Habermas (2000) interpretou literalmente o fenômeno do dionisíaco
tal qual apresentado em O Nascimento da Tragédia.
No
livro de Nietzsche, Dionisio aparece como uma metáfora para representar os
impulsos caóticos da natureza, demonstrando que o homem não é guiado pelas
luzes da razão, mas pelo sombrio turbilhão das forças instintivas da natureza.
Para Habermas,
esta tese nietzschiana reata com o mito e rompe definitivamente com o projeto moderno
do iluminismo (HABERMAS, 2000).
Contudo,
Habermas, em outros textos de sua produção filosófica será muito crítico à
noção de pós-modernidade. A leitura de Habermas sobre a pós-modernidade não se
reduz à identificação da filosofia de Nietzsche como fim da modernidade. O
político norte-americano Frederico Jameson também labora com a noção de
pós-modernidade.
Em “Pós-Modernismo:
a lógica cultural do capitalismo tardio” (1997), Jameson defende a
ideia de que a pós-modernidade surge com o advento do capitalismo tardio.
A
cultura pós-moderna segue as regras estruturais do capitalismo, como consumo e
coisificação do homem. Ou seja, a lógica da cultura pós-moderna é definida pela
estrutura capitalista.
Em
resumo, a pós-modernidade é definida pela lógica cultural da terceira fase do
capitalismo, isto é, do capitalismo financeiro ou capitalismo tardio.
Ainda
sobre a leitura de Frederic Jameson, a pós-modernidade é marcada pelo fim da
metafísica, das narrativas totalizantes, por uma nova hermenêutica. A noção de “verdade” é uma herança metafísica
que tende a ser superada pelo pós-estruturalismo pós-moderno (JAMESON, 1997).
"Mas o meu argumento é que o que
se chama de teoria contemporânea – ou melhor, de discurso teórico – é também um
fenômeno estritamente Pós-moderno. Seria então inconsistente defender a verdade
de seus achados teóricos em uma situação em que o próprio conceito “verdade” é
parte de uma bagagem metafísica que o pós-estruturalismo procura abandonar. Gostaria
de, ao menos, sugerir é que a crítica pós-estruturalista da hermenêutica,
daquilo que vou chamar mais adiante de modelo da profundidade, nos é útil como
sintoma bastante significativo da cultura pós-moderna, que é nosso assunto”
(JAMESON, 1997, p. 13)".
Jean
Baudrillard,
em “Simulacros e Simulação”, de 1981, defende a tese de que nós estamos na
sociedade dos objetos. E, para o pensador francês, o mundo se tornou um grande
espetáculo mercadológico, fazendo o homem desaparecer por completo.
O ser
humano tornou-se absolutamente manipulável pela mídia. Para Baudrillard (1991),
nós vivemos em uma sociedade irreal, em que se criam falsas imagens para
seduzir a prática do consumo.
O
sujeito pós-moderno constrói a sua vida em torno de simulacros: irrealidades
que são introduzidas nos indivíduos pós-modernos com a única finalidade de
aumentar o consumo entre as pessoas.
Da
mesma maneira que a sociedade pós-moderna é um conjunto de simulacros, o
sujeito pós-moderno também constrói a sua identidade e toda a sua vida em bases
falsas, irreais e virtuais.
Nessa
sociedade das imagens, até mesmo Deus e a religião se tornaram
simulações e simulacros irreais, quase sempre a serviço da mídia e da imagem
para o consumo (BAUDRILLARD, 1991).
Em “O
Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa” (1988) e
em “Sobre o Nomadismo: vagabundagens pós-modernas” (2001), Michel Maffesoli caracteriza a
pós-modernidade como um novo sistema de tribalismo.
Para o
autor, a modernidade não passa de uma época em que o homem era nômade, vindo a se
encerrar na pós-modernidade, que é a formação de inúmeras tribos. Ou seja, a errância
do homem (que é a fase da modernidade) termina com a formação de tribos (que é
a pós-modernidade) (MAFFESOLI, 1998).
Maffesoli
(1988) entende a modernidade como um período propriamente racional, abstrato, e
que o indivíduo é valorizado, viabilizando um crescente movimento de separação
e de individualismo.
A
razão e o indivíduo isolado são marcas da modernidade. Em contrapartida,
Maffesoli caracteriza o tempo das tribos, a pós-modernidade, como a época em
que o agrupamento dos indivíduos tende a se consolidar, período em que
constitui a empatia, e não mais a racionalidade, como marca predominante.
Se
antes a razão era a fonte dos indivíduos isolados (por isso, nômades), na
pós-modernidade, a empatia ganha espaço, tornando-se a virtude que une
diferentes tribos. Esse movimento empático, em que o indivíduo se perde no
sujeito coletivo, Maffesoli denomina de neotribalismo.
A
diferença entre a modernidade e a pós-modernidade nas palavras do próprio
autor: Eis a diferença que se pode estabelecer entre os períodos abstrativos,
racionais, e os períodos “empáticos” (aqueles se apoiam no princípio de
individuação), de separação, estes, pelo contrário, são nominados pela
indiferenciação, pelo “perder-se” em um sujeito coletivo, o que chamarei de neotribalismo
(MAFFESOLI, 1988).
Embora
os pensadores concordem com a ideia de pós-modernidade, eles nunca a definem a
partir dos mesmos critérios. Ao contrário, cada filósofo que trabalha com a
ideia de pós-modernidade caracteriza-a de forma diferente.
Para
uns, ela está ligada ao campo da economia; para outros, está ligada ao campo da
ciência; para outros, ela está associada às renovações de organizações sociais;
e assim por diante. Ou seja, parece que cada pensador tem uma ideia particular
do que seria a pós-modernidade, não havendo consenso geral entre eles.
Por
outro lado, nós também precisamos reconhecer os pontos convergentes dessas
análises sobre a pós-modernidade. Em
geral, percebe-se que a maioria dos pensadores que trabalham com a ideia de
pós-modernidade tem claramente a caracterização da modernidade como a época dos
discursos totalizantes (metarrelatos), das verdades universais e da razão como
principal base do pensamento moderno.
Com
isso, a pós-modernidade parece ser, por um motivo ou outro, o rompimento desse
período das metanarrativas, da ciência universal e da tendência ao
individualismo.
Ainda
que os discursos sobre a pós-modernidade se diferenciem por um motivo ou outro,
geralmente, partem do mesmo princípio: a modernidade como a época dos
metarrelatos e dos valores universais. Esse seja, talvez, um aspecto comum
entre as análises dos filósofos e dos demais pensadores.
De uma
forma ou de outra, fica evidente que a pós-modernidade é, no final das contas,
um rompimento dos discursos totalizantes e dos valores morais absolutos.
Pensar
no contemporâneo como pós-moderno é, em geral, ignorar vários fatores
relevantes de ambas as épocas. Por isso, nós veremos, neste tópico, algumas
posições dos críticos da ideia de pós-modernidade. Lembrando que o conceito de
pós-modernidade, conforme pontuado por Lyotard (2015), tem a ver com o fim do
saber absoluto e com a redução da ciência aos jogos de linguagem.
Em
primeiro lugar, nós gostaríamos de apresentar a leitura de Bruno Latour. Esse pensador tem uma leitura bastante ousada
sobre a história e sobre a pós-modernidade. Em seu livro “Jamais Fomos Modernos”
(1994), Latour defende a tese de que nós sequer entramos na modernidade.
Nesse
sentido, nós estaríamos proibidos de pensar em pós-modernidade, visto que não
houve nem mesmo a modernidade, ou seja, o autor inviabiliza qualquer discussão
sobre pós-modernidade, porque, antes dessa discussão, seria preciso debater a
possibilidade da modernidade.
Ao que
se refere comumente a pós-modernidade? Afora ao sentido geral de se estar vivendo um período de nítida
disparidade do passado, "Ao termo
com frequência tem um ou mais dos seguintes significados: descobrimos que nada pode ser conhecido com
alguma certeza, desde que todos os
‘fundamentos’ preexistentes da epistemologia se revelaram sem credibilidade; de que a
‘história’ é destituída de teleologia e,
consequentemente, nenhuma versão de ‘progresso’ pode ser plausivelmente
defendida; e que uma nova agenda social e política surgiu com a proeminência de preocupações
ecológicas e talvez de novos movimentos
sociais em geral”. Fonte: Giddens (1991, p. 44).
Jürgen
Habermas
desenvolve uma leitura menos “radical” do que Latour. Em “Modernity, An
Unfinished Project” (Modernidade, Um Projeto Inacabado), capítulo de
autoria de Habermas no livro “Postmodern Culture” (Cultura Pós-Moderna)
de 1985, esse autor nega a ideia de uma pós-modernidade, argumentando que nós
ainda estamos na modernidade.
Nesse livro,
Habermas defende a ideia de que o projeto da modernidade ainda está em
construção. Parece que as estruturas da
modernidade ainda não chegaram ao fim, mas, em alguns casos, elas até se
desenvolveram: o sistema socioeconômico da modernidade ainda vigora, que é o
capitalismo; a descentralização da cultura; a globalização; os movimentos
culturais contemporâneos que são norteados pelo capitalismo, como o consumismo
ou as sociedades de massa; e assim por diante. No fundo, nós lidamos sempre com
os mesmos paradigmas modernos, mas com roupagens diferentes.
Através
da leitura dos textos de Habermas, nós estaríamos desautorizados a usar o
prefixo “pós” para designar o tempo presente, visto que a modernidade ainda não
chegou ao seu limite máximo e nem se esgotou.
Para
que haja a pós-modernidade, a construção do projeto de modernidade precisa
chegar ao fim, o que, na visão do filósofo alemão, ainda não é o caso. No
fundo, ele acredita que o contemporâneo ainda está gerindo e parindo as crises
da modernidade (HABERMAS, 1985).
No
livro "A Sociedade da Decepção" (2007), Gilles Lipovetsky afirma que vigora uma
lógica do excesso nos tempos contemporâneos. Para o filósofo francês, ainda não
houve uma ruptura com os tempos modernos, o que inviabiliza a ideia de uma
pós-modernidade. Na concepção de Lipovetsky, nós estamos vivenciando um excesso
e uma exacerbação dos projetos modernos.
Por
isso, o pensador francês intitula a nossa época de “hipermodernidade”, pois nós
experimentamos alguns excessos da modernidade, como o crescimento extremo do
individualismo, a forte fragmentação do espaço e do tempo, além da elevação do
consumismo.
Em
suma, Gilles Lipovetsky (1997) entende que vivemos em uma cultura do excesso,
na qual tudo está potencializado ao seu grau máximo, na enésima potência: tal é
a hipermodernidade.
Anthony
Giddens também negou a ideia de
pós-modernidade. O filósofo defendeu, no livro "As Consequências da
Modernidade" (1991), que nós vivemos em uma época em que os projetos
modernos não se esgotaram, mas se radicalizaram. Em função disso, Giddens
denomina a nossa época de modernidade radical.
Em
outras palavras, nós vivemos no âmbito mais radical e mais extremo daqueles
projetos iniciados na modernidade: “Em vez de estarmos entrando em um período
de Pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da
Modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que
antes” (GIDENS, 1991).
Zygmunt
Bauman, que também fez inúmeras
contribuições ao tema em questão. Antes de qualquer consideração, vale destacar
o fato de que, embora Bauman use o termo pós-modernidade, ele permanece um
crítico severo dela.
Essa
informação é importante, porque Bauman já foi rotulado por jornalistas e pela mídia
de “papa da pós-modernidade”, o que o irritou profundamente, a ponto de abandonar
em seus livros a expressão pós-modernidade.
Para
isso, é evidente, ele precisou de outra metáfora para designar o tempo
contemporâneo, escolhendo o termo “líquido”. Por isso, ao lermos a obra inteira
de Bauman, nós notaremos que, em alguns livros, ele usa o termo
pós-modernidade, mas, em outros, ele passa a usar o termo modernidade líquida.
Em
"Modernidade Líquida" (2001) Bauman fez uma separação entre a
modernidade pesada/sólida e a modernidade leve/líquida. A primeira se remete ao
início do século XVIII, cuja característica central é a busca pela ocupação dos
espaços.
E, a
garantia de sucesso da modernidade sólida era maior quantidade de espaço
ocupado e controlado. A corrida para as descobertas de novas terras e de novas colônias
era determinante na modernidade sólida, pois o sucesso dependeria da garantia
dos espaços controlados.
A
modernidade pesada também é marcada pela tentativa de superar os obstáculos
impostos pelo espaço: deslocamento de grandes distâncias, organização de
fábricas, entre outros desafios em que o espaço era o centro maior de
preocupação.
Depois
da setorização do trabalho, em que todos os funcionários passaram a ocupar o
mesmo local de labor, as fábricas aumentaram significativamente o seu tamanho,
pois os trabalhadores não precisavam mais se deslocar de uma fábrica a outra
para fazer um único produto. Agora tudo era feito no mesmo local, o que fez
aumentar o tamanho das fábricas.
Na
modernidade sólida, o desafio do espaço estava vencido, pois as fábricas
possuíam todos os setores necessários para produzir um produto. Havia fábricas
maiores que 3 (três) km, revelando que o desafio do espaço estava vencido. As primeiras locomotivas também representam
uma vitória sobre o espaço, pois as pessoas passaram a se deslocar por longas
distâncias.
Embora
o espaço fosse superado na modernidade sólida, o tempo ainda era algo a se
superar. As locomotivas demoravam a chegar aos seus destinos, bem como a
administração de grandes indústrias exigia enorme tempo de trabalho. Cuidar de
uma fábrica de 2 km demandava todo o tempo do dia. Logo, o espaço não era mais
um problema do homem da modernidade sólida, mas o tempo não podia ser
controlado.
Na
modernidade líquida, o homem passou a vencer os obstáculos do tempo. O avião
como forma de deslocamento, o celular como forma imediata de comunicação, a Internet
como fonte de informações instantâneas são símbolos da vitória sobre o tempo.
Tanto
que as empresas estão cada vez menores, com o intuito de dar agilidade aos
negócios, de ser de fácil de gerenciamento e de não consumir todo o tempo do
dia.
Exemplo
de uma empresa própria da modernidade líquida é a Uber. Ela é a maior no setor
do transporte, mas as suas salas são minúsculas, otimizando a supervisão do
trabalho e dos funcionários, além de ela não ter nenhum carro em seu nome.
Logo,
a Uber não tem os problemas do espaço, pois suas salas são pequenas, e
ela não tem o problema do tempo, pois não precisa gastar tempo fiscalizando o
ambiente de trabalho ou os equipamentos.
Bauman
(2001) classificou a nossa época como líquida, porque tudo é imediato, tudo se
transforma rapidamente, os valores mudam constantemente e em uma velocidade
alta, eles não são sólidos e nada mais é duradouro.
Profissões
que eram predominantes há 15 (quinze) anos nem existem mais. Os relacionamentos
são superficiais, pois não existe contato real, tornando-os líquidos. Na
modernidade líquida, tudo escorre pelos dedos, as mudanças são rápidas demais,
e os valores, pouco sólidos.
Zygmunt
Bauman, portanto, trabalhou com uma diferenciação entre a modernidade e o
contemporâneo, embora ele seja crítico da modernidade líquida. Preferimos
trazer a reflexão do Bauman entre os críticos da pós-modernidade porque ele é,
apesar de usar o termo, um crítico dela.
Finalmente,
nós ressaltamos o fato de que os críticos da pós-modernidade também não têm
consenso de opiniões. Apesar disso, o pouco consenso entre esses críticos ainda
é maior do que o dos defensores dessa época.
Com
exceção de Latour, Habermas e Giddens
possuem uma perspectiva parecida, pois ambos defendem que ainda estamos na
modernidade. Zygmunt Bauman, por outro lado, embora crítico da pós-modernidade,
trabalha com uma diferenciação entre a época moderna e a época contemporânea,
sob a metáfora da modernidade líquida.
O
debate em torno da pós-modernidade parece ainda estar longe de acabar, pois não
existe muito consenso entre os pensadores. Nem mesmo dentro da mesma corrente é
impossível encontrar unanimidade. Por isso, cabe a nós estudar o tema,
acompanhar as discussões e, pouco a pouco, contribuir positivamente para o
debate.
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