Aprisionamento digital
Resumo: Os jovens e crianças
apesar de livres de fraturas ósseas apresentam máculas sérias na saúde mental
por conta do uso excessivo da internet e de celulares.
Palavras-chave: Geração Z.
Celulares. Internet. Saúde Mental. Experiência de vida.
Recente pesquisa concluiu que
as crianças e adolescentes dos EUA fraturam ossos cada vez menos. Eis que ficam
isolados e grudados em telas como as do celular, num autêntico aprisionamento
digital. Ad comparandum, seus país, avós ou avôs ou qualquer pessoa
acima de meio século de existência possuem maior risco de fratura do que os
meninos e meninas entre dez a dezenove anos.
Estatísticas comprovam que até
o ano de 2000, eram os garotos que lideravam as internações por acidentes, com
mais de quinze mil casos a cada cem mil habitantes, seguidos das meninas, com
pouco mais de dez mil.
Já em 2018, as internações
caíram pela metade, são os dados dos Centers of Disease Control and
Prevention, um órgão oficial norte-americano que monitora a taxa de
hospitalização nos EUA seja por lesões acidentais, como braços, dedos, pernas,
punhos e outras fraturas gerais.
A priori, parece ser bom não
haver fraturas ósseas, mas por outro víeis significa que não há experiências
vivenciadas e, o psicólogo Jonathan Haidt, escritor de "A geração ansiosa:
como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos
mentais", um volume de 385 (trezentos e oitenta e cinco) páginas a ser
lançado no Brasil em novembro pela Companhia das Letras.
No índice remissivo, a obra
inclui palavras que deveriam passar longe do universo infantil, como
“ansiedade”, “automutilação”, “depressão” (mencionada em vinte páginas), “hikikomori”
(isolamento social grave, identificado em muitos jovens japoneses),
“pornografia” e… “Zuckerberg”.
Até a primeira geração passar
a puberdade com smartphones em mãos – o primeiro iPhone foi lançado em
2007 e a mídia social ganhou força em 2012. Foi então que o índice de
adolescentes feridos psicologicamente escalou incessantemente, e o número de
ossos quebrados despencou”, revela Haidt.
Haidt compilou estudos,
debates e sugestões, tornando-se mais uma voz que engrossa o crescente
movimento contra smartphones nas mãos de crianças e adolescentes no país. Ele
ainda lançou o site Free The Anxious Generation (Liberte a geração
ansiosa).
Já o autor Simon Sinek, um
entre dezenas de entrevistadores que convocaram Haidt nos últimos dias, fez em
seu podcast uma pergunta com resposta embutida: “O que aconteceu com os
pais que levavam lápis-de-cera, papéis e livrinhos para os restaurantes em vez
de colocar crianças na frente de telas de celulares para almoçaram em paz?”
Há o alerta que a Geração Z,
nascida entre 1995 e 2010, é a primeira a ingressar na puberdade com um “portal
em seus bolsos”, longe de interação presencial e sugada por um mundo virtual
viciante e instável.
Esta é a geração[1] mais avessa a correr
qualquer tipo de riscos, e entrará para a história como a que carrega mais
problemas de saúde mental, sedentarismo e falta de habilidades sociais.
“Essas crianças raramente vão
para a casa dos amigos, apenas ficam sozinhas em casa no telefone.” E, essa
falta de convivência é uma das principais fontes de depressão: as taxas de
depressão e suicídio entre meninos e meninas basicamente duplicaram.
Entre os anos 2010 e 2019, o
aumento de meninos americanos entre dez e dezenove anos que tiraram suas
próprias vidas foi de 35%. No caso de meninas da mesma faixa etária, o salto
ficou em 59%, na tabulação de dados feita pelo autor.
Os meninos isolam-se em casa,
em vez de brincarem ao ar livre, mas pelo menos se juntam mais frequentemente
em grupos em torno dos videogames.
Haidt, que nasceu em 1963,
reforça que a mudança de hábitos deve começar a partir de quatro regras, a
serem implementadas conjuntamente pela sociedade: a primeira regra é não
colocar um smartphone na mão de ninguém até o início do High School,
que nos Estados Unidos equivale à nona série, ou 14 (quatorze) anos completos.
“Os anos entre a sexta e
oitava séries são uma época muito difícil da vida das crianças. Temos que tirar
esses aparelhos inteiramente dessa faixa etária”, afirma o autor.
Nos Estados Unidos, crianças
começam a ir para a escola sozinhas por volta dos onze anos, então um telefone
básico se faz necessário para se comunicarem com os pais no caminho.
Haidt, inclusive, é a favor da
volta ao flip-phone tradicional (só ligação e SMS) para crianças com
menos de 14 (quatorze) anos, além de apoiar o uso de telefones feitos
especialmente para elas, como as marcas Gabb, Pinwheel e Bark,
inexistentes no Brasil, que são despidas de internet, jogos ou
aplicativos nocivos. São aparelhos mais elementares, com câmeras, SMS, e opções
como Duolingo.
Ressalte-se que o WhatsApp
é pouco usado entre americanos no dia a dia e não é uma ferramenta comercial
(usa-se mais para se comunicar com quem vive no exterior). Por isso, não faz
falta nos telefones sem internet.
A segunda regra proposta por
Haidt é proibir acesso às redes sociais até os 16 (dezesseis) anos, idade
também indicada por Vivek Murthy, cirurgião-geral do governo americano, num
estudo divulgado em 2023, Haidt celebrou ainda a decisão do governo da Flórida,
que em março passado vetou a mídia social para menores de 14 (quatorze) anos,
um passo para alcançar a idade ideal de 16 (dezesseis).
A terceira sugestão é abolir
celulares das escolas, uma vitória vencida pelo secretário municipal de
Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, que implementou a prática na
rede pública.
Professor universitário, Haidt
sabe que as notificações são um imenso fator de distração e observa que os
jovens navegam até em sites de pornografia em sala de aula. Haidt também apoia
as pochetes Yondr[2],
usadas em escolas para trancar os telefones durantes as aulas. A escola judaica
Alef Peretz, de São Paulo, foi a pioneira no Brasil a adotar o produto.
Quarta regra seria acabar com
a onda de superproteção parental que tomou conta das últimas gerações. Haidt,
que tem dois filhos adolescentes, enfatiza a importância de promover mais
independência para as crianças, mais brincadeiras ao ar livre e
responsabilidades no mundo real, incluindo tarefas domésticas.
Não devemos proteger nossos
filhos de se estressar, porque o estresse faz parte da vida.
Com uma ressalva: é
fundamental estar atento ao estresse duradouro, a longo prazo. Ninguém deve
ficar ansioso ou preocupado por dias. Isso é muito ruim.
Haidt diz que essas quatro
mudanças, de custo quase zero, não são difíceis de implementar se feitas
coletivamente. Quando os pais e as mães se comprometem em conjunto, eles livram
seus filhos da tirania do smartphone e da mídia social.
E, ainda dão a eles uma
infância divertida com amigos que brincam pessoalmente. Os pais têm um grande
papel conjunto em promover a brincadeira e a independência, além da função
crucial de adiar o ingresso de seus filhos no mundo virtual.
No Brasil, onde o problema é
semelhante, o combate à superexposição dos menores às telas está alguns passos
atrás: não existem telefones celulares especializados para crianças e
adolescentes, que ajudam a adiar o acesso às mídias sociais.
Nos Estados Unidos, há ainda
dezenas de movimentos de pais americanos engajados, que pregam, baseados em
ciência e informação, adiar o ingresso de crianças às redes sociais e reduzir
ao máximo a exposição às telas – entre eles, o Wait Until 8th , Delay is the
Way , Defend Young Minds, 1000 Hours Outside e Protect Young Eyes.
Esses pais, juntos, têm um
grande poder de persuasão para atrair mais famílias nessa luta para adiar a
compra do smartphone para os filhos.
Durante as minhas consultas,
afirma Haidt, alguns jovens entram em crise aguda de ansiedade. Choram e dizem
que não conseguem imaginar como seria a vida com apenas ‘duas horas de telas’
diárias”, revela Fortes.
No livro, Haidt compara esse
tipo de reação à abstinência de usuários de drogas pesadas como cocaína e
heroína que, assim como o vício em smartphone, estimulam a dopamina no
cérebro, dando uma sensação de prazer, mas não de satisfação: elas fazem o
usuário pedir mais.
O cérebro humano lê todo o
conteúdo digital – seja um vídeo, uma foto no Instagram ou um movimento
no videogame – como um único tipo de estímulo. A riqueza sensorial (textura,
cheiro, tato, atividades físicas) é fundamental para a neuroplasticidade.
O resultado inevitável é a
falta de desenvolvimento em habilidades fundamentais para a nossa existência”,
alerta. Fortes explica ainda que o tecido nervoso, que recebe e transmite
sinais elétricos, é segmentado em áreas específicas para cada habilidade.
Ou seja, em lugares pouco
estimulados surgem “apagamentos neuronais”. Isso significa que alguns circuitos
são “desligados”. “Por isso, nossos adolescentes estão com menos “aptidões”, o
que pode ser irreversível e devastador para um indivíduo em franco desenvolvimento
socioemocional”, lamenta o médico.
“No entanto, o papel do limite
não cabe apenas aos pais. Muitas vezes, escolas já extrapolam o tempo de telas
conectando os alunos ou pedindo deveres de casa em plataformas digitais.
Defende-se um ambiente escolar
totalmente livre de telas, diz o médico,
que também apoia a exigência de regulamentação das redes e elaboração de
algoritmos pelas big techs que protejam crianças e adolescentes.
O tempo excessivo de telas
prejudica o sono, que atrapalha a rotina alimentar, que prejudica o crescimento
físico e mental saudável, e piora as relações interfamiliares, já delicadas na
adolescência. Precisamos arrumar essa cadeia de acontecimentos, antes que seja
tarde,” diz ele.
Para muitos da Geração Z, os
efeitos já são sentidos. Haidt argumenta que essa é a geração mais tímida, que
menos arrisca, menos namora e faz menos sexo.
Essas características já são
aparentes no mercado de trabalho: gerentes que empregam esses jovens dizem que
essa é uma turma difícil de administrar, e de empregar: a mão de obra tornou-se
mais escassa.
Até no Vale do Silício, onde
grandes empreendedores até pouco tempo atrás despontavam já na faixa dos vinte
anos, a Geração Z anda devagar. Desde 1970, esta é a primeira vez que nenhum
deles figura entre os fundadores mais promissores da indústria.
A proibição do uso de
celulares vale para dentro de sala de aula e os intervalos entre as aulas,
incluindo o recreio. Apenas na Educação de Jovens e Adultos será permitido o
uso de celulares nos intervalos.
O decreto municipal do Rio de
Janeiro orienta que os celulares e demais dispositivos eletrônicos deverão ser
guardados na mochila ou bolsa do próprio aluno, desligado ou ligado em modo
silencioso e sem vibração. Apesar disso, a publicação deixa margem para que a
equipe da escola adote outra estratégia de preferência.
Os alunos com deficiência ou
com condições de saúde que necessitam destes dispositivos para monitoramento ou
auxílio de sua necessidade também têm autorização para mantê-los em
funcionamento na escola.
O uso também pode ser liberado
quando a cidade estiver classificada nos estágios operacionais[3] 3, 4 e 5 pelo Centro de
Operações da Prefeitura do Rio. Isso ocorre em situações que causam impacto na
rotina da cidade, como temporais que provocam alagamentos e incidentes graves
de trânsito ou segurança pública.
A decisão foi embasada em
consulta pública realizada pela Secretaria Municipal de Educação, que teve a
participação de mais de 10 mil contribuições. Os resultados mostraram que 83%
dos participantes foram favoráveis à proibição, 11% parcialmente favoráveis e
6% contrários.
O decreto se baseia em
relatórios da Organização Mundial da Saúde, Unesco e estudos de países como
Bélgica, Espanha e Reino Unido. Dados do Programa de Avaliação Internacional de
Estudantes (Pisa) da OCDE, por exemplo, apontam uma correlação negativa entre o
uso excessivo de tecnologias e o desempenho acadêmico.
O autor Haidt sabe que muita
gente acredita que essa epidemia é irreversível, porque, como se diz em inglês,
“o trem já deixou a estação”. Para essas pessoas, Haidt manda um recado: “Ora,
se o trem está cheio de crianças em direção a uma ponte quebrada, é hora de
freá-lo.” Será que ainda é possível?
Referências
COSTA, Rariane. Rio proíbe
uso de celular em escolas: quais países têm restrições do tipo? Disponível
em:
https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/rio-proibe-uso-de-celular-em-escolas-quais-paises-tem-restricoes-do-tipo/
Acesso em 18.4.2024.
HAIDT, Jonathan. The
Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood Is Causing an Epidemic
of Menta Illness Hardcover. EUA:
Penguin Press, 2024.
MENAI, Tania. Braços
Inteiros, Mentes Quebradas. Revista Piauí. Disponível em:
https://piaui.folha.uol.com.br/criancas-adolescentes-celular-saude-mental-fisica/
Acesso em 18.4.2024.
SHRIER, Abigail. Bad
Theory: Why the Kids Aren't Growing Up Hardcover. EUA: Sentinel,
2024.
[1]
A geração Z compreende o grupo de pessoas nascidas a partir de 1995. Cresceram
junto com a popularização da internet e interagem com o mundo integrando todas
as formas de tecnologia disponíveis. Para esse grupo, a visão sequencial do
tempo é substituída pela visão paralela do tempo, em que é a realidade é
simultânea e é possível realizar várias atividades ao mesmo tempo, acessar
várias realidades, participar de diversos grupos.
[2]
A pochete, da marca norte-americana Yondr, tem uma trava magnética semelhante
às etiquetas antifurtos, presentes em lojas. Ao chegar na escola, os aparelhos
serão colocados dentro da bolsa e serão liberados somente no fim da última aula
pelo professor ou por um funcionário da escola.
[3]
ESTÁGIO 1 (verde): Significa que não há qualquer alteração ou ocorrência na
cidade que provoque alteração significativa na rotina do carioca. Baixo ou
nenhum impacto na fluidez do trânsito e das operações da infraestrutura e
logística da cidade.
ESTÁGIO 2 (amarelo): Risco
de haver ocorrências de alto impacto na cidade.
Há ocorrência com elevado
potencial de agravamento. Ainda não há impactos na rotina da cidade, porém, os
cidadãos devem se manter informados;
ESTÁGIO 3 (laranja): Uma ou
mais ocorrências provocando impactos a cidade. Há certeza de que haverá
ocorrência de alto impacto no curto prazo. Pelo menos uma região da cidade está
impactada, causando reflexos relevantes, e afetando diretamente a rotina da
população ou parte dela.
ESTÁGIO 4 (vermelho): Uma
ou mais ocorrências graves impactam a cidade ou há incidência simultânea de
diversos problemas de médio e alto impacto em diferentes regiões da cidade. As
regiões impactadas geram reflexos graves/importantes na infraestrutura e logística
urbana, e afetam severamente a rotina da população ou parte dela.
ESTÁGIO 5 (roxo): Uma ou
mais ocorrências graves impactam a cidade. Os múltiplos danos e impactos
causados extrapolam de forma relevante a capacidade de resposta imediata das
equipes operacionais da Prefeitura do Rio. As regiões impactadas causam reflexos
graves/importantes na infraestrutura e logística urbana, e afetam severamente a
rotina da população ou parte dela.